Discografia pop: Gal, uma baiana fatal

sexta-feira, março 31, 2006





















Assim como Maria Bethânia, Gal Costa foi uma das musas da contra-cultura brasileira. Em Fa-Tal - A Todo Vapor, espetáculo/album antológico dirigido por Wally Salomão em 1971, ela se mostra
num dos melhores momentos de sua carreira e inaugura a escola que hoje tem como maiores representantes as cantoras Marisa Monte, Fernanda Porto e Vanessa da Mata.
Neste show o desafio era grande: manter-se à altura do movimento tropicalista sem imitá-lo, o que a direção de Wally, o talento de Gal e o repertório fazem com a maior facilidade. Não há como não se impressionar com a habilidade, com a destreza que Gal desliza entre a bossa nova e o rock, como ela consegue partir da suavidade de João Gilberto e chegar até os gritos de Janis Joplin, sem nunca abandonar as referências da Bahia, característica marcante em todos os quatro Bárbaros. O melhor e mais maduro trabalho de Gal e um dos melhores discos da nossa música pop.

clique aqui para baixar (rapidshare) e confira você mesmo!

Numa rilex, numa tranqüíla, numa boa...

O disco Tim Maia Racional, gravado em 1974, depois de quase 20 anos fora do catálogo, retorna em abril às lojas.

Na vida de Tim Maia o "sex, drugs and rock'n'roll" em excesso fazia parte da mais trivial e prosaica rotina. Contudo, em meados da década de 1970, Tim viveu um relativo períodode "tranqüilidade" quando se converteu à Cultura Racional, um grupo que acredita no conhecimento racional da realidade para explicar os fatos da vida e promover melhorias nos indivíduos.

Acompanhado por uma orquestra de soul e com batidas funk pesadas, o cantor nos guia por
meio das músicas pelos caminhos de sua própria história e sua epifania:

Já senti saudade/ Já fiz muita coisa errada/ Já dormi na rua/ Já pedi ajuda/ Mas lendo atingi o bom senso: a Imunização Racional

O disco possui, obviamente, um tom proselitista, são explicadas a relação do cantor com a Cultura Racional, que não se trata de uma seita ou religião, e sim um caminho para a verdade, para reponder todas as perguntas da existência humana, a "luz da humanidade", baseado essencialmente num conjunto de livros conhecidos como Universo em Desencanto. O disco marca um início de um nova fase profissional e pessoal para Tim Maia, quando ele se afasta do modelo fonográfico mais comercial e promove incursões na black music mais pesada, também conhecida como deep funk. Lançado de forma independente pela primeira gravadora dele mesmo, a Seroma - Sebastião Rodrigues Maia -, nunca foi relançado, e um dos principais motivos, além do baixo apelo comercial é o fato do cantor ter se afastado do Mundo Racional.
Hoje, mais de 20 anos depois de seu lançamento original, Racional, ganha seu devido reconhecimento no cenário e na história da música pop brasileira e está sendo relançado pela Trama, devendo chegar as lojas ainda no início de abril.

O disco além de remasterizado, possui como bônus, a gravação do LP original.

Abaixo selecionei alguns trechos da pregação de Maia.

"Read the book/ The only book/ Universe in Disenchantment/ And you’ll know the Truth"

"Ouçam todos/ Vamos contar a coisa mais importante que já ouviram na vida/ Nunca ouviram isso antes:/ Viemos de um supermundo, de energia racional/ E vivemos num antimundo, de energia animal/ Leia o livro, o único livro, Universo em Desencanto/ E vais saber a verdade".

"Eu tive que subir lá no alto para ver Energia Racional/ A verdadeira luz da humanidade"

Confira mais no site da Trama

Google quer catalogar genoma

Como se não bastasse o objetivo de catalogar toda a informação do planeta, o Google quer também catalogar e disponibilizar, gratuitamente, todos os genes da Terra. Isso mesmo. Todo o material sequenciado em diversos projetos-genoma, online, à disposição de pesquisadores do mundo todo. Para isso se associaram ao Instituto J. Craig Venter, uma instituição sem fins lucrativos voltada para pesquisa genética.

Os pesquisadores estão exultantes, pois além da quantidade de informação ser muito grande e espalhada, não há nenhum sistema de buscas tão eficiente quanto o Google.

fonte: rmainkien | Meio bit

IBM anuncia primeiro circuito molecular

Técnicos e cientistas da IBM criaram o primeiro circuito completo e integrado construído sobre uma única molécula de nanotubo de carbono. Os testes marcam um passo crítico para a integração da tecnologia com as atuais técnicas de fabricação de chips, já que o novo material traz melhorias significativas em relação ao silício.

A IBM declarou que a nova técnica pode ajudar a simplificar o processo de fabricação de chips e que criou uma fundação com o intuito de testar o material em diversas aplicações eletrônicas, inclusive processadores de PC.

Leia aqui o texto na íntegra

Falta pouco para os biotransmissores...

Mais uma vez os americanos nos ensimam como se tapa o Sol com uma peneira

quinta-feira, março 30, 2006

... ou seria com um graveto seco? O pior é que eles ainda agem como se o gravetinho fizesse a sombra de uma frondosa árvore centenária...

Motivos religiosos barram .xxx na Web
O órgão responsável por registro de domínios, ICANN, investiu esforços e dinheiro no projeto de criação de uma extensão própria para sites de conteúdo ligado a sexo, o ".xxx". Porém, mais uma vez abandonou-se aparentemente a idéia.

De acordo com a revista online Newsfactor Magazine, os rumores são de que o governo americano impediu a padronização por motivos religiosos. O controvertido domínio teve, na última hora, um pedido de espera feito pelo Departamento de Comércio dos Estados Unidos.

Leia na íntegra aqui

O Telecine, como sempre: o melhor do cinema...

sexta-feira, março 24, 2006

MINHA AMIGA FLICKA (MY FRIEND FLICKA) EUA-1943 • De: Harold D. Schuster • Com: Roddy McDowall, Preston Foster • 89´ • C • D, S • CP: 18. Um jovem é mau aluno e vive entrando em confusão. Para que ele aprenda a ter mais responsabilidade, ganha do pai uma dócil égua. TCL Dia 6 às 14h10 – dia 16 às 7h15

sem comentários... ¬¬

Por inzêmprio...

segunda-feira, março 20, 2006

Dá pra impedir a cópia de cds???

Inauguro aqui a coluna Por inzêmprio. Também fui contaminado - ou melhor, contraminado, como costumo ouvir em alguns pontos de ônibus, filas de banco ou demais não-lugares aqui de Salvador - pelo vírus do colunismo. É uma epidemia que está em todos os cantos do ciberespaço. Mas, como já disse antes: se tudo agora é push-button e click here, se todos estão falando, escrevendo, fotografando, filmando, aliás, não sei de onde vem tanta ânsia em se dizer alguma coisa, mas não importa muito, porque o foco aqui não é esse.
E depois, já que todos estão se pronunciando, por que este humilde missivista não pode fazer parte dessa celeuma?


Hoje, navegano na rede enquanto eu fazia alguns trabalhos, baixava e escutava músicas encontrei esta nota no Terra Música perdida no meido dos feeds:

Dispositivo impede que CDs de Marisa Monte migrem para iPod

No breve intervalo de tempo em que eu li a matéria, não pude deixar de pensar: será que isso impede, de fato, a pirataria? Lembro que pouco depois que este dispositivo foi lançado no mercado, os hackers e ciberpunks quase imediatamente divulgaram como eliminá-lo (basta uma caneta esferográfica para conseguir a proeza de inutilizar esse sistema anti-cópia).
Resolvi fazer um teste no Emule e o que encontro? Nada menos do que 687 ocorrências (dos dois albuns), ou seja, é algo falho, afinal este mágico dispositivo deveria coibir a pirataria; o que obviamente não acontece.

Está no emule, está nas praias, nas praças... Então se o sistema é ineficaz, por quê se insite em divulgar isso como um grande feito? Retorno imagético? Não sei.... Principalmente porque no caso da Marisa Monte, os albuns poderiam estar disponíveis em todos esses lugares, porém há um público fiel da cantora que consome os discos e comparece aos espetáculos não importando, inclusive, o preço. Creio ainda que não deve ter sido iniciativa da cantora, é uma política das gravadoras. O que não sei é se estamos diante de uma iniciativa inocente ou não.

Tudo o que se verifica hoje, principalmente a absurda atribuição dos problemas da indústria fonográfica, e do entretenimento de modo geral, aos usuários de programas peer to peer (softwares utilizados para compartilhar arquivos), na maioria estudantes, é o resultado de uma indústria que não estava atenta às mudanças ocorridas ao longo dos últimos 20 anos. Aliado a isso, houve um inchaço na indústria neste mesmo período e agora está um pouco tarde para resolver, ou ao menos da forma como se propõe. Medidas como essa atuam sobre o sintomas e não sobre o problema.

É importante destacar que aqueles que não se submenteram, a priori, as regras de mercado, sobreviveram e sobreviverão, mesmo com indústria imersa em uma crise que ainda não se mensurou o tamanho.

Será que a Bethânia se incomoda com a pirataria? Pode se incomodar no que tange a propriedade intelectual, quanto ao ofício de/do ser artista, ao direito autoral, mas quanto as vendas, duvido muito! Elas continuam as mesmas, aliás, até aumentaram, porque quem compra Bethânia quer o produto original, não compra na praia, nem se contenta com o arquivo mp3.

Há, contudo, iniciativas menos alardeadas, e no entanto mais eficazes. Nesse sentido, basta lembrar do inzêmprio criativo de Lobão: um dispositivo que registra quando e onde a música é executada (óbvio, se o disco for executado a partir de em um computador conectado à internet). Inclusive, e, principalmente em quais emissoras de rádio. Não foi à toa que algumas gravadoras européias se interessaram muito na idéia, e é tecnologia underground daqui do Brasil!

Observando com mais cuidado o dispositivo do Lobão, percebe-se que ele está direcionado a proteção da propriedade intelectual, está a serviço do artista, enquanto a outra tenta impedir que cópias sejam feitas, pressupondo que, ao impedir que um usuário doméstico extraia o conetúdo de um disco, além de atacar "a indústria da pirataria", as vendas serão impulsionadas, o que obviamente não acontece.

Outro ponto fundamental é que a venda de discos não gera receita para os músicos e cantores, eles ganham com as apresentações, com os shows e eventos. Curioso que aquels que lucram em cima da venda direta de discos são justamente aqueles que não são afetados pela crise fonográfica - Bethânia, Roberto Carlos... embora, como eu disse, o que importa é a realização de shows, e eventos em geral, que geralmente recebem patrocínios e/ou estão amparados em leis de renúncia fiscal.

Venda de disco e ECAD não matam a fome de ninguém, são só formas de cobrar mais imposto seu e meu... Por inzêmprio, na década de 90, Chico Buarque entrou em crise pessoal porque o que o ECAD repassava pra ele era uma quantia tão ínfima que ele achou que sua carreira tinha chegado ao fim. Para quem não sabe o Ecad é aquele órgão que cobra para você executar músicas em público, seja um show, uma solenidade, um recital, e mais importante: nas rádios! Eles supostamente deveriam repassar para o artista regularmente, o que raramente ocorre porque ótgão trabalha por amostragem, variam de estação e de quando eles fiscalizam... ou seja, pra viver de sua arte é dificil, e o Estado cansado contribui muito pra isso... aliás, o modelo da indústria fonográfica também saturou, e ao invés de buscar soluções, eles atribuem uma crise que inclusive foi reforçada por uma crise econômica mundial, a troca de arquivos... me desculpem aqueles que acreditam nisso...

A Poesia

Manoel de Barros

A poesia, a poesia está guardada nas palavras
É tudo que eu sei
Meu fado é não entender quase tudo
Sobre o nada eu tenho profundidades
Eu não cultivo conexões com o real
Para mim poderoso não é aquele que descobre o ouro
Poderoso pra mim é aquele que descobre as insignificâncias do mundo e as nossas
Por essa pequena sentença me elogiaram de imbecil
Fiquei emocionado e chorei
Sou fraco para elogios.

Estava pensando

Quem curtiu ou curte animes já assistiu, leu ou ficou sabendo de um seriado que se apresenta como inteligente, cult e filosófico: Neon Genesis Evangelion. Toda a pompa: crianças pilotando máquinas maga-poderosas, conflitos psicológicos de todas as ordens, distúrbios, e uma história aparentemente tola - aliás, aparente não... basta você apertar um pouco que logo ela fica superficial, esses japoneses não sãoi melhores que os outros! - que gir a em torno de um adolescente (hã), que foi abandonado pelo pai (hã-hã), e se vê envolvido em uma ação militar para proteger o planeta do ataque de seres denominados anjos e vieram promover o apocalipse (humpf! mas fazendo um esforço dá pra se distrair, tem seqüências de luta bem legais, não é uma brastemp padrão exportação, mas da pra assistir, só não é o melhor, aliás passa bem longe disso!). A série se desenrola e a gente descobre que há uma conspiração do governo na intenção de criar um Deus humano. Tá você nunca viu isso antes?! Mas o que me fez pensar não foi ter assistido um episódio desse desenho, que assisti há mais de 5 ou 6 anos... mas estou um pouco preocupado porque a ficção científica, passando por Blade Runner, Mad Max, Matrix, Ghost in The Shell e histórias do mesmo naipe, até mesmo 1984, apresentam uma comunidade global manipulada pela técnica, pelos artefatos, nos mostram sem privacidade, nos mostram presos, com um detalhe: a aparente liberdade, segurança, a possibilidade de escolha. Não é assim, por exemplo com a internet? Há 10 (primeiro boom da rede no Brasil), 15 anos atrás, se pensava que a rede mundial era shangri-lá, anarquista, sem controle, sem repressão, sem fiscalização, um lugar onde haveria a possibilidade em se permancer anônimo. Hoje, manos de 20 anos depois percebo que a rede se transformou no oposto disso: é por meio dela que somos vigiados, seja pelo governo, pelas empresas que nos empregam, por quem quer que seja. Somos bombardeados com propagandas, vírus, que estão a um passo de nos infectar... imagino que quando surgirem os biotransmissores. Será que vão poder formatar até o nosso cérebro?
Já foi criado um novo deus: o Google, onipresente, oniciente, para onde converte toda a informação. Temos também os rebeldes, os cyberpunks; há uma batalha silenciosa que vez por outra acaba esbarrando em alguém.
Estamos na sociedade da informação e da comunicação... os cabos, as fibras ópticas, os backbones, os processadores, os satélites... há uma busca infinita em não estar só, em reduzir o mundo ao tamanho do quarto ou da sala, o tamanho do mundo intimida, intimida ainda mais o infinito do universo, navegamos numa nave tão pequena... de medo nós construímos nosso próprio infinito: a internet... zeros e uns que se somados se igualam às estrelas do céu... tem os até estrelas que morreram e continuam brilhando. Como? E o cache dos buscadores? Há sites que se extinguiram há mais de um ano, já vi um site no cache do google de 1998, uma notícia do Estado de São Paulo, uma matéria da Caros Amigos sobre umas conferências que o Lula realizou numa universidade francesa... Até onde isso vai chegar? Me pergunto se vamos chegar ao nível das histórias de science fiction que eu passei a infância, a adolescência e até hoje (com bem menos intensidade) curtindo. A tecnologia inspira essa dicotomia de demonização e sacralização. Ainda acho que o preocupante não é um computador tornar-se um organismo vivo e independente, mas os organismos vivos hodiernos, afinal o único lobo do homem é o próprio homem. O mundo está cada vez menor, e os problemas parecem insistir crescendo.

História da Noite














Ao longo de suas gerações
os homens erigiram a noite.
No princípio era cegueira e sonho
e espinhos que laceram o pé desnudo
e temor dos lobos.
Nunca saberemos quem forjou a palavra
para o intervalo de sombra
que divide os dois crepúsculos;
nunca saberemos em que século foi cifra
do espaço de estrelas.
Outros engendraram o mito.
Fizeram-na mãe das Parcas tranqüilas
que tecem o destino
e lhe sacrificaram ovelhas negras
e o galo que profetiza seu fim.
Doze casas lhe deram os caldeus
infinitos mundos, o Pórtico.
Hexâmetros latinos a modelaram
e o terror de Pascal.
Luis de Leon nela viu a pátria
de sua alma estremecida.
Agora a sentimos inesgotável
como um vinho antigo
e ninguém pode contemplá-la sem vertigem
e o tempo a carregou de eternidade.

E pensar que não existiria
sem esses tênues instrumentos, os olhos.

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em breve posto informações sobre ele (e mais alguns textos)

Funes, o Memorioso

Coloco aqui um dos meus contos favoritos, Funes, o Memorioso de Jorge Luís Borges. Divirta-se!

Borges foi um presente que ganhei de minha mãe em 1999, nas minhas férias na Ilha de Itaparica. O primeiro conto que li foi O Outro, que descreve o encontro e o diálogo de Borges consigo mesmo anos mais jovem. O texto me encantou de tal modo que em pouquíssimo tempo li todos os 3 volumes que nós tínhamos em casa, e não me canso de reler, como o próprio autor afirma, "o importante é reler". O universo de labirintos, os jogos de espelhos (que também criam labirintos), os tabuleiros de Xadrez, o sonho, o pesadelo e as inúmeras metáforas para a cegueira. Há ainda uma característica interessantíssima em Borges que é sua ironia com o leitor: é muito comum encontrar descrição de fatos, pessoas, livros, análises, referências, citações e autores que sequer existiram, alguins desatentos se deixam enganar, mas para este missivista da província da Cidade da Bahia, isso só faz da obra borgeana sui generis. Ainda hoje me surpreendo com sua forma de escrita, creio que me surpreenderei sempre, por razões essencialmente subjetivas, e me perco no universo complexo que foi por alguns anos a minha morada.


Recordo-o (não tenho o direito de pronunciar esse verbo sagrado, apenas um homem na terra teve o direito e tal homem está morto) com uma obscura passiflórea na mão, vendo-a como ninguém jamais a vira, ainda que a contemplasse do crepúsculo do dia até o da noite, uma vida inteira. Recordo-o, o rosto taciturno e indianizado e singularmente remoto, por trás do cigarro. Recordo (creio) suas mãos delicadas de trançador. Recordo próximo dessas mãos um mate, com as armas da Banda Oriental, recordo na janela da casa uma esteira amarela, com uma vaga paisagem lacustre. Recordo claramente a sua voz; a voz pausada, ressentida e nasal de orillero antigo, sem os assobios italianos de agora. Mais de três vezes não o vi; a última, em 1887... Parece-me muito feliz o projeto de que todos aqueles que o conheceram escrevam sobre ele; meu testemunho será por certo o mais breve e sem dúvida o mais pobre, porém não o menos imparcial do volume que vós editareis. A minha deplorável condição de argentino impedir-me-á de incorrer no ditirambo - gênero obrigatório no Uruguai; quando o tema é um uruguaio. Literato, cajetilla, porteño. Funes não disse essas palavras injuriosas, mas de um modo suficiente me consta que eu representava para ele tais desventuras. Pedro Leandro Ipuche escreveu que Funes era um precursor dos super-homens; "Um Zaratustra cimarrón e vernáculo"; não o discuto, mas não se deve esquecer que era também natural de Fray Bentos, com certas limitações incuráveis.

A minha primeira lembrança de Funes é muito clara. Vejo-o em um entardecer de Março ou Fevereiro do ano de 1884. Meu pai, nesse ano, levara-me a veranear em Fray Bentos. Voltava com meu primo Bernardo Haedo da estância de San Francisco. Voltávamos cantando, a cavalo, e essa não era a única circunstância da minha felicidade. Após um dia abafado, uma enorme tempestade cor cinza escura havia escondido o céu. Alentava-me o vento Sul, já enlouqueciam-se as árvores; eu tinha o temor (a esperança) de que nos surpreenderia em um descampado a água elemental. Apostamos uma espécie de corrida com a tempestade. Entramos em um desfiladeiro que se aprofundava entre duas veredas altíssimas de tijolo. Escurecera repentinamente; ouvi passos rápidos e quase secretos no alto; levantei os olhos e vi um rapaz que corria pela vereda estreita e esburacada como que por uma parede estreita e esburacada. Recordo a bombacha, as alpargatas, recordo o cigarro no rosto duro, contra a densa nuvem já sem limites. Bernardo gritou-lhe imprevisivelmente: Que horas são, Ireneo? Sem consultar o céu, sem deter-se, o outro respondeu: Faltam quatro minutos para as oito, jovem Bernardo Juan Francisco. A voz era aguda, zombeteira.

Sou tão distraído que o diálogo a que acabo de me referir não teria chamado a minha atenção se não o tivesse enfatizado o meu primo, a quem estimulavam (creio) certo orgulho local, e o desejo de mostrar-se indiferente à réplica tripartite do outro.

Disse-me que o rapaz do desfiladeiro era um tal Ireneo Funes, conhecido por algumas peculiaridades como a de não se dar com ninguém e a de saber sempre a hora, como um relógio. Complementou dizendo que era filho de uma passadeira do povo, Maria Clementina Funes, e que alguns diziam que seu pai era um médico de saladeiro, um inglês O'Connor, e outros um domador ou rastreador do departamento de Salto. Vivia com a sua mãe, na curva da quinta dos Laureles.

Nos anos de 1885 e 1886 veraneamos na cidade de Montevideo. Em 1887 voltei a Fray Bentos. Perguntei, como é natural, por todos os conhecidos e, finalmente, pelo "cronométrico Funes". Responderam-me que um redomão o havia derrubado na estância de San Francisco, e que havia se tornado paralítico, sem esperança. Recordo a sensação de incômoda magia que a notícia despertou-me: a única vez que eu o vi, vínhamos a cavalo de San Francisco e ele andava em um lugar alto; o fato, na boca do meu primo Bernardo, tinha muito de sonho elaborado com elementos anteriores. Disseram-me que não se movia da cama, os olhos repousados na figueira do fundo ou em uma teia de aranha. Ao entardecer, permitia que o levassem para perto da janela. Levava a arrogância ao ponto de simular que era benéfico o golpe que o havia fulminado... Duas vezes o vi atrás da relha, que toscamente enfatizava a sua condição de eterno prisioneiro; uma, imóvel, com os olhos cerrados; outra, imóvel também, absorto na contemplação de um aromático galho de santonina.

Não sem um certo orgulho havia iniciado naquele tempo o estudo metódico do latim. A minha mala incluía o De viris illustribus de Lhamond, o Thesaurus de Quicherat, os comentários de Júlio César e um volume ímpar da Naturalis historia de Plínio, que excedia (e continua excedendo) as minhas modestas virtudes de latinista. Tudo se propaga em um povoado; Ireneo, em seu rancho das orillas, não tardou em enteirar-se da chegada desses livros anômalos. Dirigiu-me uma carta florida e cerimoniosa, na qual recordava no encontro, desditosamente fugaz, "do dia 7 de Fevereiro de 1884", ponderava os gloriosos serviços que Don Gregorio Haedo, meu tio, falecido nesse mesmo ano, "havia prestado às duas pátrias na valorosa jornada de Ituzaingó", e me solicitava o empréstimo de qualquer dos volumes, acompanhado de um dicionário "para a boa intelecção do texto original, pois todavia ignoro o latim". Prometia devolvê-los em bom estado, quase imediatamente. A letra era perfeita, muito perfilada; a ortografia, do tipo que Andrés Bello preconizou: i por y, j por g. A princípio, suspeitei naturalmente tratar-se de uma zombaria. Meus primos asseguraram que não, que eram coisas de Ireneo. Não sabia se atribuía ao atrevimento, à ignorância ou à estupidez a idéia de que o árduo latim não requeresse mais instrumento do que um dicionário; para desencorajá-lo completamente enviei-lhe o Gradus ad parnassum de Quicherat e a obra de Plínio.

No dia 14 de Fevereiro telegrafaram-me de Buenos Aires que voltasse imediatamente, pois meu pai não estava "nada bem". Deus me perdôe; o prestígio de ser o destinatário de um telegrama urgente, o desejo de comunicar a toda Fray Bentos a contradição entre a forma negativa da notícia e o peremptório advérbio, a tentação de dramatizar a minha dor, fingindo um estoicismo viril, talvez distraíram-me de toda a possibilidade de dor. Ao fazer a mala, notei que me faltavam o Gradus e o primeiro tomo da Naturalis historia. O "Saturno" sarpava no dia seguinte, pela manhã; essa noite, depois da janta, dirigi-me à casa de Funes. Assombrou-me que a noite fora não menos pesada que o dia.

No humilde rancho, a mãe de Funes recebeu-me.

Disse-me que Ireneo estava no quarto dos fundos e que não me estranhasse encontrá-lo às escuras, pois Ireneo preferia passar as horas mortas sem acender a vela. Atrevessei o pátio de lajota, o pequeno corredor; cheguei ao segundo pátio. Havia uma parreira; a escuridão pareceu-me total. Ouvi prontamente a voz alta e zombeteira de Ireneo. Essa voz falava em latim; essa voz (que vinha das trevas) articulava com moroso deleite um discurso, ou prece, ou encantamento. Ressoavam as sílabas romanas no pátio de terra; o meu temor as tomava por indecifráveis, intermináveis; depois, no enorme diálogo dessa noite, soube que formavam o primeiro parágrafo do 24o capítulo do 7o livro da Naturalis historia. O tema desse capítulo é a memória: as últimas palavras foram ut nihil non iisdem verbis redderetur auditum.

Sem a menor mudança de voz, Ireneo disse-me o que se passara. Estava na cama, funmando. Parece-me que não vi o seu rosto até a aurora; creio lembrar-me da brasa momentânea do cigarro. O quarto exalava um vago odor de umidade. Sentei-me, repeti a estória do telegrama e da enfermidade de meu pai.

Chego, agora, ao ponto mais difícil do meu relato. Este (é bem verdade que já o sabe o leitor) não tem outro argumento senão esse diálogo de há já meio século. Não tratarei de reproduzir as suas palavras, irrecuperáveis agora. Prefiro resumir com veracidade as muitas coisas que me disse Ireneo. O estilo indireto é remoto e débil; eu sei que sacrifico a eficácia do meu relato; que os meus leitores imaginem os períodos entrecortados que me abrumaram essa noite.

Ireneo começou por enumerar, em latim e espanhol, os casos de memória prodigiosa registrados pela Naturalis historia: Ciro, rei dos persas, que sabia chamar pelo nome todos os soldados de seus exércitos; Metríadates e Eupator, que administrava a justiça dos 22 idiomas de seu império; Simónides, inventor da mnemotecnia; Metrodoro, que professava a arte de repetir com fidelidade o escutado de uma só vez. Com evidente boa fé maravilhou-se de que tais casos maravilharam. Disse-me que antes daquela tarde chuvosa em que o azulego o derrubou, ele havia sido o que são todos os cristãos; um cego, um surdo, um tolo, um desmemoriado. (Tratei de recordar-lhe a percepção exata do tempo, a sua memória de nomes próprios; não me fez caso.) Dezenove anos havia vivido como quem sonha: olhava sem ver, ouvia sem ouvir, esquecia-se de tudo, de quase tudo. Ao cair, perdeu o conhecimento; quando or ecobrou, o presente era quase intolerável de tão rico e tão nítido, e também as memórias mais antigas e mais triviais. Pouco depois averiguou que estava paralítico. Fato pouco o interessou. Pensou (sentiu) que a imobilidade era um preço mínimo. Agora a sua percepção e sua memória eram infalíveis.

Num rápido olhar, nós percebemos três taças em uma mesa; Funes, todos os brotos e cachos e frutas que se encontravam em uma parreira. Sabia as formas das nuvens austrais do amanhecer de trinta de abril de 1882 e podia compará-los na lembrança às dobras de um livro em pasta espanhola que só havia olhado uma vez e às linhas da espuma que um remo levantou no Rio Negro na véspera da ação de Quebrado. Essas lembranças não eram simples; cada imagem visual estava ligada a sensações musculares, térmicas, etc. Podia reconstruir todos os sonhos, todos os entresonhos. Duas ou três vezes havia reconstruído um dia inteiro, não havia jamais duvidado, mas cada reconstrução havia requerido um dia inteiro. Disse-me: Mais lembranças tenho eu do que todos os homens tiveram desde que o mundo é mundo. E também: Meus sonhos são como a vossa vigília. E também, até a aurora; Minha memória, senhor, é como depósito de lixo. Uma circunferência em um quadro-negro, um triângulo retângulo; um losango, são formas que podemos intuir plenamente; o mesmo se passava a Ireneo com as tempestuosas crinas de um potro, com uma ponta de gado em um coxilha, com o fogo mutante e com a cinza inumerável, com as muitas faces de um morto em um grande velório. Não sei quantas estrelas via no céu.

Essas coisas me disse; nem então nem depois coloquei-as em dúvida. Naquele tempo não havia cinematógrafos nem fonógrafos; é, no entanto, verossímil e até incrível que ninguém fizera um experimento com Funes. O cérto é que vivemos postergando todo o postergável; talvez todos saibamos pronfundamente que somos imortais e que mais cedo ou mais tarde, todo homem fará todas as coisas e saberá tudo.

A voz de Funes, vinda da escuridão, seguia falando.

Disse-me que em 1886 havia elaborado um sistema original de numeração e que em muito poucos dias havia ultrapassado vinte e quatro mil. Não o havia escrito, porque o pensado uma só vez já não podia desvanecer-lhe. Seu primeiro estímulo, creio, foi o descontentamento de que os trinta e três uruguaios requeressem dois signos e três palavras, em lugar de uma só palavra e um só signo. Aplicou logo esse desparatado princípio aos outros números. Em lugar de sete mil e treze, dizia (por exemplo) Máximo Pérez; em lugar de sete mil e catorze, A Ferrovia; outros números eram Luis Melián Lafinur, Olivar, enxofre, os rústicos, a baleia, o gás, a caldeira, Napoleão, Agustín de Vedia. Em lugar de quinhentos, dizia nove. Cada palavra tinha um signo particular, uma espécie de marca; as últimas eram muito complicadas... Eu tratei de explicar-lhe que essa rapsódia de vozes desconexas era precisamente o contrário de um sistema de numeração. Eu lhe observei que dizer 365 era dizer três centenas, seis dezenas, cinco unidades; análise que não existe nos "números". O Negro Timoteo a manta de carne. Funes não me entendeu ou não quis me entender.

Locke, no século XVII, postulou (ou reprovou) um idioma impossível no qual cada coisa individual, cada pedra, cada pássaro e cada ramo tivesse um nome próprio; Funes projetou alguma vez um idioma análogo, mas o desejou por parecer-lhe demasiado geral, demasiado ambígüo. De fato, Funes não apenas recordava cada folha de cada árvore de cada monte, mas também cada uma das vezes que a havia percebido ou imaginado. Resolveu reduzir cada uma de suas jornadas pretéritas a umas setenta mil lembranças, que definiria logo por cifras. Dissuadiram-no duas considerações: a consciência de que a tarefa era interminável, a consciência de que era inútil. Pensou que na hora da morte não havia acabo ainda de classificar todas as lembranças da infância.

Os dois projetos que foi indicado (um vocabulário infinito para a série natural dos números, um inútil catálogo mental de todas as imagens da lembrança) são insensatos, mas revelam certa balbuciante grandeza. Nos deixam vislumbrar ou inferir o vertiginoso mundo de Funes. Este, não o esqueçamos, era quase incapaz de idéias gerais, platônicas. Não apenas lhe custava compreender que o símbolo genérico cão abarcava tantos indivíduos díspares de diversos tamanhos e diversa forma; perturbava-lhe que o cão das três e catorze (visto de perfil) tivesse o mesmo nome que o cão das três e quatro (visto de frente). Sua própria face no espelho, suas próprias mãos, surpreendiam-no cada vez. Comenta Swift que o imperador de Lilliput discernia o movimento do ponteiro dos minutos; Funes discernia continuamente os avanços tranqüilos da corrupção, das cáries, da fatiga. Notava os progressos da morte, da umidade. Era o solitário e lúcido espectador de um mundo multiforme, instantâneo e quase intolerantemente preciso. Babilônia, Londres e Nova York têm preenchido com feroz esplendor a imaginação dos homens; ninguém, em suas torres populosas ou em suas avenidas urgentes, sentira o calor e a pressão de uma realidade tão infatigável como a que dia e noite convergia sobre o infeliz Ireneo, em seu pobre subúrbio sulamericano. Era-llhe muito difícil dormir. Dormir é distrair-se do mundo; Funes, de costas na cama, na sombra, figurava a si mesmo cada rachadura e cada moldura das casas distintas que o redoavam. (Repito que o menos importante das suas lembranças era mais minucioso e mais vivo que nossa percepção de um gozo físico ou de um tormento físico). Em direção ao leste, em um trecho não pavimentado, havia casas novas, desconhecidas. Funes as imaginava negras, compactas, feitas de treva homogênea; nessa direção virava o rosto para dormir. Também era seu costume imaginar-se no fundo do rio, mexido e anulado pela corrente.

Havia aprendido sem esforço o inglês, o francês, o português, o latim. Suspeito, contudo, que não era muito capaz de pensar. Pensar é esquecer diferenças, é generalizar, abstrair. No mundo abarrotado de Funes não havia senão detalhes, quase imediatos.

A receosa claridade da madrugada entrou pelo pátio de terra.

Então vi a face da voz que toda a noite havia falado. Ireneo tinha dezenove anos; havia nascido em 1868; pareceu-me tão monumental como o bronze, mais antigo que o Egito, anterior às profecias e às pirâmides. Pensei que cada uma das minhas palavras (que cada um dos meus gestos) perduraria em sua implacável memória; entorpeceu-me o temor de multiplicar trejeitos inúteis.

Ireneo Funes morreu em 1889, de uma congestão pulmonar.


Tradução de Marco Antonio Frangiotti. In Borges: Prosa Completa, Barcelona: Ed. Bruguera, 1979, vol. 1., pgs. 477-484

Poesia não compra sapatos. Mas como viver sem poesia?
Emmanuel Marinho

Paulo Leminski

De colchão em colchão
chego a conclusão
meu lar é no chão

Dimensões da cultura e políticas públicas

domingo, março 19, 2006

É preciso compreender as dinâmicas de funcionamento da cultura para a construção de políticas públicas eficazes e capazes de movimentar, ou melhor, fomentar o circuito de produção, difusão e consumo cultural e o desenvolvimento social desde sua instância macro – aqui considerado todo o domínio federal – à sua instância micro – municipal/regional –, estruturadas a partir de uma dicotomia: a noção de cultura de acordo com uma ótica antropológica, que pressupõe a cultura como toda a produção e atividade humana, como “tudo aquilo que se opõe à natureza” (definição que a antropologia confere à cultura). Portanto, cultura seria “tudo”, seria uma espécie de “rocha” composta por diversos sedimentos interdependentes ou até mesmo independentes, resultado de práticas sociais cotidianas. Há também uma segunda acepção, apontada pelo viés da sociologia, segundo a qual a cultura está restringida à determinadas atividades e produtos especializados pertencentes ao campo das artes, relacionada principalmente a circuitos de produção e consumo de arte e cultura organizados (um mercado cultural) que movimenta, inclusive, as práticas rotineiras (que “pertencem” a antropologia), o que apontaria ainda para uma terceira noção: a do funcionalismo das práticas culturais.

Tendo em vista que a cultura por si só não se mantém enquanto atividade econômica, isto é, não gera receita, mesmo que esteja diretamente relacionada a toda atividade cotidiana - haja vista que ela não só permeia a existência humana como também pode ser considerada a própria existência, a dimensão profunda que orienta as nossas decisões. O circuito cultural não sobrevive no contexto atual se não houver amparo e articulação das leis de benefício e renúncia fiscal e empresas patrocinadoras, modelo este que tem seu centro nas secretarias de marketing, tornando uma condição sine quan non para a produção artística os interesses das políticas e estratégias marketing cultural de cada empresa no que tange a criação de imagem, identidade e marca ou até mesmo, em menor escala, como estratégia para aumento nas vendas diretas.É patente a força da cultura, seu potencial simbólico, retórico e do prestígio que é conferido a seus realizadores.

O fato de que a cultura seja detentora de um poder retórico quase imensurável àqueles que a ela se associem, justifica uma articulação entre as esferas mais amplas (governos federal e estaduais) e empresas para movimentar a atividade cultural: os resultados são concretos, tácteis e imediatos, os benefícios a priori são interessantes para todos os envolvidos, desde os agentes, produtores e gestores da cultura aos financiadores e mantenedores. De fato, os recursos estaduais com cultura são escassos, bem como qualquer outra área, porém, ainda não se compreendeu que a cultura (justamente por sua acepção antropológica) está contida em todas as esferas.

Mas, de fato, qual a importância em se formular políticas públicas de cultura?

Pouco se pensava em políticas públicas até pouco depois das revoluções tecnológicas e da revolução francesa e das profundas mudanças que estas promoveram, as reivindicações e os conflitos de classe, porém este pensamento ganhou força após as duas Grandes Guerras, principalmente, e posteriormente após a instauração do neoliberalismo, que pressupõe uma mediação entre cultura e sociedade civil legitimada pelo mercado, cujos principais suportes são as novas tecnologias de informação e comunicação (NTICs). No caso do Brasil, ainda durante a ditadura havia uma política cultural incipiente e voltada para os interesses militares (bem como em qualquer regime totalitário). O que aproxima essas duas realidades – a global e a local, brasileira – é justamente o poder, ou suposto poder, que a cultura tem no que cerne questões como identidade, nacionalidade, o que tange as tensões entre o local e o global, relações entre os sujeitos (o Eu e o Outro).

Um viés pelo qual se pensa e analisa questões como a da cultura é a “hierarquia” da produção artística: tem-se a cultura erudita (as belas artes), a cultura popular (cultura “de raiz” e o folclore) e a massiva, sendo a última desprovida de legitimidade haja vista que está sujeita exclusivamente aos interesses do mercado. Seria preciso, portanto, “fortalecer” a cultura popular (que é a mais “legitima”) nas tensões entre o local e o global, cada vez mais próximos devido a desterritorialização (promovidas pelas NTICs), e cada vez mais “a mercê” dos interesses e das lógicas neoliberais para que seja possível firmá-la. O que também implica em um pensamento preconceituoso e reducionista, porque, dentre outros motivos, as relações entre cultura e mercado datam da própria existência do mercado.

Um dado importante, e curioso, é que antes dos franceses, ninguém cogitou a idéia de buscar nos usuários/consumidores os motivos que os levavam a preferir tal produto ou tal prática em detrimento de outro, o que pode soar até incoerente, afinal como formular políticas públicas quando sequer se conhece as práticas dos públicos consumidores. Outro equívoco na elaboração e condução dessas políticas é o fato delas serem direcionadas a públicos que ou não são consumidores de cultura ou já consomem, em suma elas, mantém o status quo, mesmo que proponham mudanças.

A contemporaneidade ou, como aplica Martin-Barbero ao tratar do referido assunto, a modernidade tardia questiona essa dicotomia, porque “a separação que instaurava aquela dupla idéia de cultura é, de um lado obscurecida pelo movimento crescente de especialização comunicativa do cultural”, que passa a condicionar a produção, difusão e consumo cultural, a partir da modulação das matrizes culturais e dos consumidores. Por outro lado, o mercado assumiu (ao menos de maneira patente) a posição de mediador das práticas sociais (que nada mais são do que trocas simbólicas entre membros da mesma comunidade sócio-econômico-interpretativa). Há ainda, na tardomodernidade, no que diz respeito a essa “vida cultural” polarizada entre a noção antropológica e a sociológica, uma “confusão” entre conceitos, uma vez que toda essa vida cultural, na contemporaneidade é “antropologizada”, e as fronteiras teóricas e, com isso, precisar os limites entre ambas ou polarizá-las apenas implica em desviar as atenções e guia apenas por um campo analítico.

As políticas públicas devem respeitar as diferenças e diversidades culturais (trocas simbólicas, fricções, conflitos, intercâmbios), e deslocar-se o fomentador do posto de financiamento apenas, elaborar ações que permitam continuidade e avaliação, e que estejam presentes em todos os campos da sociedade.

O que é e qual a importância de uma política pública?

São ações conjuntas promovidas, na maioria das vezes, pelo Estado, de forte caráter intervencionista e que busca mobilizar por meio de ações diferentes setores da sociedade civil para determinada questão ou problema e posteriormente transformá-lo, gerando (pelo menos em modelo ideal) desenvolvimento.

A formulação dessas políticas deve passar obrigatoriamente pelo reconhecimento do problema – reflexão sobre o tema, suas implicações, sua importância – e de quais ações podem ser implementadas para provocar mudanças essenciais e “resolver” os problemas; há ainda a definição de estratégias de ação e a implementação, ou seja a intervenção propriamente dita, além da avaliação.

O sucesso ou fracasso de uma política pública, dado seu aspecto sumariamente complexo, depende basicamente da articulação entre governos, empresas e sociedade civil (pluralismo); de fato, quanto maior for o número de atores sociais envolvidos na ação, os diferentes pontos de vista serão confrontados e as decisões serão tomadas de modo mais democrático e a intervenção não se dará de modo vertical, paternalista, superficial, ou algo como uma medida emergencial.

Verifica-se, no atual cenário nacional, uma forte procura da sociedade civil (sobretudo artistas, produtores, gestores e demais agentes) para que a cultura figure na pauta política nacional. A cultura é compreendida como elemento de altíssimo poder de integração de um povo porque está arraigada em fatores como identidade e nacionalidade, costumes, valores, memória (coletiva ou individual), haja vista que o sujeito é fruto de sua respectiva cultura sendo influenciado e influenciando, transformando e sendo transformado constantemente por ela; há ainda o forte potencial de geração de economia e turismo, pela criação imagética de determinado povo ou lugar e, claro, o prestígio que ela possui, principalmente com relação a produções artísticas e culturais (música, teatro, dança, manifestações diversas, literatura).

Em seu “Dicionário Crítico de Política Cultural”, Teixiera Coelho apresenta os principais conceitos para se compreender e (re)formular as políticas públicas na área de cultura, e, dentre outras coisas, identifica erros, muitas vezes crassos, na condução das atuais políticas, aponta ainda falhas nos modelos antigos e contrapõe (mesmo que de forma simplista) modelos atuais (como quando compara França e os Estados Unidos da América).

Segundo o próprio autor, uma política cultural seria “o conjunto de intervenções dos poderes públicos sobre as atividades artístico-intelectuais ou simbólicas de uma sociedade, para além da política de educação ou de ensino formal”. Atuando por meio das leis de incentivo e renúncia fiscal, dos investimentos estratégicos e mediando ações “práticas”.

A máxima de todas as políticas culturais é ““democratizar” a cultura”, porém essa frase, bem como “levar cultura ao povo” ignora que “cultura” e “povo” como instituições indissociáveis, e que o “povo” também é agente de produção cultural. Em geral, as políticas públicas de cultura tendem a se resumir como meras ações efêmeras.

A política cultural deve eliminar ou diluir os pólos de produção e consumo, fomentando cada vez mais novos agentes, que por sua vez serão consumidores mais fiéis do mercado cultural, “democratizar” a cultura é também permitir que todos possam produzi-la.

Antes de se pautar a cultura na agenda política nacional é preciso refletir as reais necessidades e reais necessidades que tal setor envolve e evitar que, por conta de uma concepção, muitas vezes, errônea da cultura, ocorram injunções das secretarias de marketing das empresas nas decisões referentes ao campo cultural, ou até mesmo pela procura de artistas, produtores e demais realizadores da cultura, e se compreenda a política cultural, a política pública de cultura, a uma política de financiamento por meio de de renúncia fiscal, por fortalecer ou atender a uma parcela mínima ou ainda por ratificar o isolamento e a distinção entre a cultura (“cultura de elite”, “cultura popular” e “cultura massiva”).

Lucas Lins

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Para aprofundar o assunto, recomendo o artigo da professora e pesquisadora paulista Isaura Botelho "Dimensões da cultura e as políticas públicas", o livro de Teixeira Coelho "Dicionário Crítico de Política Cultural", o aritgo do professor baiano Albino Rubim "Dos sentidos para o Marketing Cultural", e os livros "O Mercado da Cultura em Tempos (Pós) Modernos", da professora e pesquisadora Gisele Nussbaumer; "Cultura e Atualidade", organizado por Albino Rubim; "Organização e Produção da Cultura", organizado por Linda Rubim; e o "Guia Brasileiro de Produção Cultural 2004", de Edson Natale, Cristiane Olivieri.

Viva o Barão de Itararé!

Todos já ouviram falar, mesmo que de forma remota, do Barão de Itararé, jornalista político e intelectual pai do humor característico de Jô Soares, Luís Fernando Veríssimo, Da saudosa equipe do TV Pirata e do atual Casseta & Planeta, da revista Bundas e da galera que fazia quadrinhos adultos na década de 80...

Apparício Fernando de Brinkerhoff Torelly, ou o Barão de Itararé, nasceu na cidade de Rio Grande, antiga capital do Rio Grande do Sul, próximo à fronteira com o Uruguai, no dia 29 de janeiro de 1895.
Em 1925 foi morar no Rio de Janeiro, após abandonar a faculdade de Medicina. Ali, ele se tornou jornalista político, filiou-se ao Partido Comunista, chegou até mesmo a ser eleito.

O apelido Barão de Itararé, foi um "nome de guerra" inventado por ele, foi criado para gozar a famosa batalha de Itararé, que jamais acontecera. Nesta batalha, os constitucionalistas de São Paulo se concentraram no interior para impedir o avanço das forças do Governo Provisório de Vargas, porém a força governista ignorou por completo a milícia da oposição. Um exemplo do humor foi quando se reencontrou no Senado, em 1945, quando Getúlio, depois de perder o mandato fora eleito senador, reconheceu o repórter político e diretor de A Manhã, Aparício Torelly. Vargas, ao cumprimentá-lo disse: "Até tu, Barão?" .... "Tubarão é o senhor, eu sou o Barão de Itararé!", respondeu o Barão quase emendado a resposta... E assim foram surgindo as piadas infames...

Muito popular, Torelly se candidatou pelo Partido Comunista em 1947 a vereador pelo Rio, antigo Distrito Federal, atual capital do Estado do Rio de Janeiro. Um de seus principais lemas de campanha era: "Mais água e mais leite. Mas menos água no leite." Em seu mandato, defendeu o que considerava as quatro liberdades fundamentais: a de pensamento, a de culto, a de não ter medo da polícia secreta e a de não morrer de fome. Ainda em 1947 teve o mandato cassado.
Durante a ditadura militar, foi com seu humor seco, inteligente, cru, crítico e incisivo que o Barão de Itararé enfrentava a dura realidade do Regime Militar.

Abaixo coloco algumas máximas que fizeram com que o barão continuasse vivo na memória e na esfera da cultura brasileira. Você provavelmente já leu alguma frase dessas em um muro, pára-choque de caminhão, banheiro de bar, o Barão é unanimidade quando o assunto é filosofia de bar... o que mata alguns filósofos e intelectuais por aí... mas a filosofia de bar tem sim o seu valor e sua importância...


Sexo demais prejudica a memória e outra coisa que não me lembro agora.


Mulher gordinha é igual a mortadela: redondinha, cheia de gordurinhas, quem come adora, mas não conta pra ninguém.

Nunca fiz amigos bebendo leite.

Não há diferença alguma entre um par de seios e um trenzinho elétrico: os dois são feitos para as crianças. Mas, no final, quem brinca com eles são os adultos.

Eu só bebo em algumas poucas circunstâncias:
- quando estou feliz;
- quando estou triste;
- quando estou sozinho;
- quando estou acompanhado;
- quando estou sem fome;
- quando estou com fome;
Fora isso, nem toco na bebida.
A não ser que esteja com sede.

Eu não crio juízo porque não sei qual ração ele come.

Casamento é a única prisão onde você ganha a liberdade por mau comportamento.

As mulheres estão, cada vez mais, indo em busca dos seus direitos. Bem que na volta podiam trazer umas cervejinhas geladas.

Casamento é igual a uma piscina gelada. O primeiro idiota que pula fica fingindo que a água tá boa e fala para quem esta fora: Entra, é legal....

Os políticos são como as fraldas: devem ser trocados constantemente e sempre pelo mesmo motivo.

Ainda bem que a mulher veio da costela, porque se fosse do filé mignon ou da picanha, só rico ia poder comer.

O político católico não assina nenhum contrato sem levar um terço.

"ADEAMUS AD MONTEM FODERE PUTAS CUM PORRIBUS NOSTRUS".

Tradução:

"VAMOS À MONTANHA PLANTAR BATATAS COM AS NOSSAS ENXADAS."
(se tivesse estudado latim, não teria pensado besteira...)

De onde menos se espera, daí é que não sai nada.

Mais vale um galo no terreiro do que dois na testa.

Quem empresta, adeus...

Dize-me com quem andas e eu te direi se vou contigo.

Pobre, quando mete a mão no bolso, só tira os cinco dedos.

Quando pobre come frango, um dos dois está doente.

Genro é um homem casado com uma mulher cuja mãe se mete em tudo.

Cleptomaníaco: ladrão rico. Gatuno: cleptomaníaco pobre.

Quem só fala dos grandes, pequeno fica.

Viúva rica, com um olho chora e com o outro se explica.

Depois do governo ge-gê, o Brasil terá um governo ga-gá. ( Ge-gê: apelido de . . Getulio Vargas. Ga-gá: referia-se às duas primeiras letras no sobrenome do novo presidente, Eurico Gaspar Dutra).

Um bom jornalista é um sujeito que esvazia totalmente a cabeça para o dono do jornal encher nababescamente a barriga.

Neurastenia é doença de gente rica. Pobre neurastênico é malcriado.

O voto deve ser rigorosamente secreto. Só assim , afinal, o eleitor não terá vergonha de votar no seu candidato.

Os juros são o perfume do capital.

Urçamento é uma conta que se faz para saveire como debemos aplicaire o dinheiro que já gastamos.

Negociata é todo bom negócio para o qual não fomos convidados.

O banco é uma instituição que empresta dinheiro à gente se a gente apresentar provas suficientes de que não precisa de dinheiro.

A gramática é o inspetor de veículos dos pronomes.

Cobra é um animal careca com ondulação permanente.

Tudo seria fácil se não fossem as dificuldades.

Sábio é o homem que chega a ter consciência da sua ignorância.

Há seguramente um prazer em ser louco que só os loucos conhecem.

É mais fácil sustentar dez filhos que um vício.

A esperança é o pão sem manteiga dos desgraçados.

Adolescência é a idade em que o garoto se recusa a acreditar que um dia ficará chato como o pai.

O advogado, segundo Brougham, é um cavalheiro que põe os nossos bens a salvo dos nossos inimigos e os guarda para si.

Senso de humor é o sentimento que faz você rir daquilo que o deixaria louco de raiva se acontecesse com você.

Mulher moderna calça as botas e bota as calças.

A televisão é a maior maravilha da ciência a serviço da imbecilidade humana.

Este mundo é redondo, mas está ficando muito chato.

Pão, quanto mais quente, mais fresco.

A promissória é uma questão "de...vida". O pagamento é de morte.

A forca é o mais desagradável dos instrumentos de corda.

Pra começar, quem vai colar?

Como se costuma dizer aqui em Salvador, ni que eu não tenho nada melhor pra fazer ou não quero, um blog pode ser um passatempo interessante. Esvazio a cabeça, posso dizer o mais útil, o mais fútil, posso escrever um lixo ou até mesmo algo memorável... Ainda há a possibilidade de ser lido ou não. Estou aqui a serviço de mim mesmo, de meus alter e superego, e por que não do meu narcisismo... Esse deve ser meu blog de número 12365568568, os que duraram mais atingiram a marca de 2 anos de postagem quase freqüente... tem isso também: a liberdade. Escrevo sobre o que quero, quando eu quero, e paro quando quiser... ê lelê...