Pensamentos aleatórios de final de ano escritos no caminho da aula

sábado, dezembro 14, 2019

Já trabalhei num empreendimento intitulado “acaso controlado”. Sempre me instiguei com essa expressão: o acaso implica justamente em descontrole ou ausência da necessidade de controle. Ou ainda, da consequência inusitada, inesperada e improvável de um fato. Do desdobramento em eventos inimagináveis. Diante deles não se sabe como começa, como se desenvolve e nem como será o desfecho (se é que haverá desfecho). 

Construções sobre a areia. Textos voláteis, sem palavras escritas sobre a pedra. Vento incontrolável. Sinfonia dodecafônica. Um musica cuja harmonia é difícil de compreender. Palavras cifradas, línguas estranhas. E nós ali, construindo sobre a pedra como se fosse areia ou construindo sobre a areia como se fosse pedra. No acaso, no caos, na vida.

Digressões à parte, sempre que lia essas palavras (“acaso controlado”) vinha em minha mente as tais linhas tortas pelas quais Deus escreve certo. Quando criança, essa passagem me foi ensinada por dois ângulos: a primeira que "Deus escreve certo mesmo que por sobre linhas tortas" ou que "Deus escreve certo e nós não conseguimos compreender por nossa limitação humana a retidão das linhas e do texto". Essas duas visões traziam em comum um pensamento de que se há algo torto, ele é de nossa responsabilidade, afinal, somos nós que entortamos as linhas ou somos nós mesmos as linhas tortas. 

Entretanto, nos meus ainda imaturos 34 anos, começo a pensar diferente. Seja sobre as escritas retas, as linhas tortas, os acasos (sejam eles controlados ou descontrolados): observar essas coisas é transferir totalmente para aspectos externos aquilo que determina caminhar (e caminhar bem). 

Digo isso, porque viver é caminhar na incerteza. Julgar controlar é uma ilusão das mais cruéis - se não a mais cruel. Não vivemos num mundo onde os acasos são controlados, e sim, onde o controle é feito pelo acaso. E se há alguma ordem que ele, por ventura, obedeça, para nós ela é incompreensível. 

Não se controla o acaso, nem é possível amalgamar-se a ele. Nem tentar fazer retas as linhas tortas porque o texto é reto. Faz como então? Não faz. 

Tentar controlar o incontrolável é um esforço inútil, que consome energia e da no máximo a ilusão de controlar, de triunfo. Um triunfo vazio que cedo ou tarde é quebrado. E quebrado da pior forma possível, geralmente. Ficar sujeito ao acaso também é infrutífero: não agir é não viver, é desistir. A inércia e o acaso não andam necessariamente juntos. O melhor seria o caminho do meio? Talvez. Embora creio que o mais produtivo seria superar a dependência do externo e investir naquilo que é interno (que também não se controla, mas se pode entender e o entendimento ajuda a conduzir os caminhos e as escolhas). Sem ignorar o externo e também sem desejar doma-lo. 

Aceitar, sem negociar; enfrentar, sem sofrer; viver o presente. O presente já é imprevisível - imagina o futuro?

Aceitar as falhas (as nossas, as dos outros). Entender que há coisas que se pode mudar e outras não (e me refiro há coisas internas... é muito difícil mudar o externo). Entender que nessas coisas que não se pode mudar, estão os nossos defeitos, falhas e desvios éticos e morais (e que diante deles precisamos tomar atitudes para mitigar e diminuir seus efeitos, sempre passando pela aceitação "tá, eu sou assim, eu cometo esse tipo de erro...").


Enfim, o exercício tem sido: caminhar pelo caos como se ele fosse a paz e trazer para dentro aquilo que é bom. Depois, vem um segundo interesse que é o nosso desejo de controlar o tempo e ter horror ao transitório! O mais comum é desejar congelar os bons momentos. isso traz mais sofrimento!  Contudo, acatar o transitório como algo positivo e belo, superando essa ilusão do controle do tempo também não é uma tarefa simples. 

Acontece que as únicas coisas permanentes em nossas vidas são justamente aquelas que nós trazemos, cultivamos e colhemos dentro de nós mesmos: estão e são a nossa essência. Óbvio: este esforço é hercúleo... Mas, vamos em frente! Não há muitas rotas de fuga. E posso assegurar, a fuga é sempre em vão.

De todo modo, do alto da minha humildade de homem jovem e imaturo, observo que a humanidade tem feito o oposto: buscamos a “evolução” e o “progresso” - dizem disso. Somos fruto dessa vontade de domar e dominar o universo esmiuçando seus mecanismos e construindo casas, cidades, indústrias, aviões, foguetes...  progredir para onde? Crescer e desenvolver para que?

Fato é que a tarefa a cumprir não se trata de uma alienação voluntária, se excluindo do mundo, e nem de celebrar as dores, fingindo que o mundo não existe.

Viver dói. Não tem um manual e nem receita. Não tem suporte técnico e nem instruções normativas. Nem tudo acontece como sonhamos e muitas vezes há eventos que nos sinalizam que somos pequenos é insignificantes para a vastidão do universo. Ha outros casos em que as pessoas agem de acordo com crenças divergentes das nossas e isso nos causa aflição. A passagem do tempo, os fracassos e as derrotas causam dor. Porém, o medo da dor é algo escravizante (e que escala exponencialmente). 

Sob este domínio não se tem vida boa: há sempre o medo de que a bonança acabe e venham escassez e tristeza. Assim estamos sempre reféns exatamente do que não controlamos. Não vivemos o presente por medo que ele acabe. Ficamos à mercê do fluxo de acontecimentos e sujeitos aos mais duros golpes (que nós mesmos acabando criando - muito louco isso... chama “profecia autorrealizável”).

E qual meu ponto de vista com esse texto? Refletir com você, meu fiel leitor invisível e sem nome. Pensar junto como podemos nos livrar dessa carga tão pesada e desnecessária que se coloca entre nós e nossa essência.

Te convido a refletir comigo sobre como escolher um caminho em que a dor, mesmo doendo, não mate (como ensinar nossa mente a lidar com ela, partindo do pressuposto de que ela é tão temporária como a alegria, por exemplo). Também te convido a refletir sobre como estar no mundo sem ficar alheio, afinal ele está aí, é um dado e nos foi dado. 

Me move a vontade de olhar para a frente e me permitir libertar, desconectar do (desejo de) controle. O esforço meu e de muitos, hoje é o de trazer para si a chave da felicidade, entendendo que a felicidade é paz interior, mesmo passando pelo fogo. Tirar do outro (quem seja) essa grande responsabilidade - é bem injusta essa relação, porque se dá ao Outro o poder sobre sua felicidade, ou seja, você se exime desse papel, no entanto, você toma para si o papel de fiscal, de controle... fica carente, refém e... infeliz! 

Esse ano me ensinou que podem nos tirar tudo (até a vida), mas a nossa essência é intocável. E ela nos move. Ela é eterna. Aí, vos digo: isso foi um aprendizado que começou há uns dois ou três anos, que só ganhou corpo nos últimos meses. E não sei quando acaba! 

Aceitar que não controlamos. Isso é bom. 

Penso que o mar nos navega muito, entretanto, somos nós que seguramos o timão... somos nós que sentimos a brisa (ela mesma não se percebe, ela só “é”). Navegar é uma sina... e mesmo na tempestade, basta ter fé, porque (está na Bíblia, não é invenção minha) Jesus está no mesmo barco que você... e só parece que ele está dormindo. Tirem o caráter religioso, se quiserem, a mensagem permanecerá a mesma: estar bem consigo e ter fé que vai dar tudo certo (e que a surpresa vai ser boa), saber que as tempestades vêm e vão - e que quando perdemos o medo dessa chuva, assim como deixamos de supervalorizar os dias calmos - nos libertamos e “acordamos” nosso “deus” interior. 

Os muros estarão lá, a gente escolhe escalar ou derrubar. Ou chegar para trás e enxergar um portão. O bom do acaso é que são inúmeras as possibilidades, infinitos os caminhos... e tendo tranquilidade, todos eles nos levam a evoluir a e a uma vida tranquila.

E quando tudo parar? Estagnação acontece (e muitas vezes é só a nossa percepção dos fatos). Querer controlar o acaso é dar força ao detalhe e perder o todo por uma insignificância. 

Tomara que um dia eu (e todo mundo) esteja livre do controle e do desejo de controlar. Que o caso venha e me (nos?) abrace, sem deixar danos, e os oceanos que eu (nós?) navego (navegamos?) estejam plenos a despeito do clima.


Ah, esqueci de escrever que amar é bom: começa amando a si, se abraçando, se encarando sem auto-condenação e nem auto-indulgência... depois amando as outras pessoas. 

E assim vou começando as minhas despedidas de 2019. O ano em que tudo começou, recomeçou, avançou, retrocedeu... e que começou a me preparar para o que ainda virá. Isso não depende de ano, são processos contínuos, porém, não nego que os últimos 12 meses foram de intensa transformação e busca. Foi e tem sido bom.

Me prometi navegar por dentro antes de cruzar os mares. Acho que farei as duas coisas ao mesmo tempo... 

Espero vocês em 2020.

Lucas.