Um baiano viajante

sexta-feira, dezembro 18, 2009

Do alto de minha arrogância, acredito que a vida é pontuada - como diria o sábio Barros de Alencar - "por pequenas coisas", pequenas experiências: comer aquele risotto acompanhado de pessoas bacanas, cozinhar para sua família, assistir aquele filme, um beijo... mas acima de qualquer coisa, acho que a vida é pontuada pelas nossas viagens.

Seja para a Índia ou para a cidade ao lado, viajar implica em se despir de muita coisa e se vestir de outras, já que "em Roma, fazemos como os romanos". É importante o desapego de nossa identidade... risos. Você sai da Bahia e, por exemplo, perde o nome e sua história de vida e se torna simplesmente "o baiano". Claro que até o final, devido às experiências partilhadas no intervalo de tempo que você vive fora, te devolvem o nome - ou até te dão outros - e te conferem uma (nova) história e aceitam a sua história de vida - com todos os filtros e bloqueios, lógico.

O mais importante, a meu ver, é que quando viajamos, nos é permitido alterar radicalmente a rotina, inverter as ordens. Alterar a rotina permite vê-la com outros olhos, percebê-la maior ou menor, simples ou complexa, terrível ou insignificante. De um modo ou de outro, ela é vista no todo - independente disso ser uma coisa ruim ou boa. Só por isso, viajar é algo fundamental para continuar se sentindo vivo, independente de onde ou dos motivos. Se volta diferente de uma viagem, assim como nos transformamos depois de um livro, de um filme ou de um disco. A viagem é capaz de potecializar também essas experiências.

Não se sabe com precisão qual o melhor momento da viagem - há quem diga que é a antecipação, a ansiedade; outros julgam ser mais importantes as experiências vividas e partilhadas nesse intervalo de tempo (aliás, o tempo, quando viajamos, parece ficar suspenso). Alguns votam pela saudade do que ficou e de quem ficou lá no outro porto; outros preferem o retorno, o reencontro. E isso vale para qualquer viagem - trabalho, férias, peregrinação religiosa.

Não consigo perceber com clareza qual o melhor momento, já cada viagem é como se fosse a primeira. Eu penso que a transformação se inicia (seja isso uma coisa boa ou não - isso não é relevante) no primeiro momento em que ela se materializa na forma de um desembolso financeiro para comprar uma passagem (o nome não poderia ser mais preciso) . Nesse momento se projeta tanta coisa... negociamos com os sonhos, com os nossos pés que teimam em ficar no chão (ou vice-versa) e com o mundo. O que levar na bagagem, o que não levar, quais as marcas, quais as idéias... quem se vai conhecer, quais os sabores, os cheiros, os perigos...

Toda viagem nos leva ao desconhecido, e consegue - mesmo que não se queira - superar "o muro e o abismo" que dele nos separa (como já dizia Clarice Lispector). Uma vez superado esse muro não somos mais quem fomos um dia - uma parte ficou olhando o abismo, outra caiu e outra conseguiu chegar do outro lado. Quem volta encontra consigo, mais do que os amigos, família, casa e rotina. Quando eu volto de uma viagem e me olho, mesmo que ao acaso, em um espelho, eu já percebo as (novas) marcas e vejo o que ficou para trás... mesmo que algo que ficou para trás teime em ficar. Além de fotos, presentes, trazemos essas marcas.

A última viagem que fiz foi ocasionada por um profundo desejo de superar problemas que eu - inocentemente - dei maior relevância e poder, por uma vontade de respirar e de aprender, mas acima de tudo, para avaliar e reavaliar. Fui sem antecipar. Fui sem restrições e de peito aberto.
Foram mais de 30 dias de experiências inesquecíveis, de grande aprendizado, de conselhos... eu observei muita coisa com bastante atenção (o que é algo relativamente difícil para mim), andei muito... conheci pessoas bacanas, cozinhei (e aprendi a fazer umas coisas de comer com lágrimas nos olhos), alimentei o nerd que vive dentro de mim assistindo clássicos da ficção científica.... voltei diferente - outra vez. Eu fui de um jeito e voltei melhor. O mais interessante é que em minhas duas despedidas no final dessas férias (farra um dia e jantar no outro), o adeus foi uma palavra condenada por mim... sequer veio em minha cabeça. Será que eu estou mudando até o que achei ser minha sina, dom e maldição? Se for, é bom.

Mesmo assim, dessa vez eu voltei faltando um pedaço...

Isso também é bom. Espero, muito em breve, retornar e pegar essa parte de volta.

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