Ser ou não ser saudosista?

segunda-feira, junho 02, 2008

A gente sabe que está mais velho quando vê os seriados que passavam na nossa infância na faixa "Nick@Nite" ou, no já extinto, bloco de clássicos do Boomerang... ná tinha pensado nisso? Apois, pense agora!!!

Acho este termo complicadíssimo, devo dizer antes de discorrer sobre o assunto. Tudo que envolve a memória sempre é complicado! Eu mesmo não gosto de falar disso, mas... (aquele "mas" característico do nosso querido Golias - que descanse em paz!) ultimamente algumas coisa me chamaram a atenção para as coisas passadas.... entre novos reencontros, reuniões não (tão) planejadas, voltas, mas basicamente, o que andou mexendo com meu lado nostálgico foi o "São YouTube".
Pude rever todas aquelas tosqueiras maravilhosas da minha infância: aberturas dos desenhos e seriados, alguns episódios completos, clipes... nossa, eu jamais imaginei que fosse ver.

Nota do blogueiro: Eu fui uma criança extremamente solitária, embora na época, assim como hoje, eu não me importasse muito com isso, até gostava. Acho que muitas crianças da minha época aprenderam a curtir sozinhas, haja vista que brinquedos como LEGO, PLAYMOBIL e similares fizeram tanto sucesso... além desses brinquedos, a TV, os livros, os gibis e revistas como a antiga HERÓI e ANIMAX, tornavam meus dias bastante ocupados... além disso, não tenho registro em agendas, e na época de minha infância e adolescência ainda não havia descobrido o prazer da blogoterapia... uma pena!

Depois de horas revendo os vídeos, procurando informações e matando antigas cuirosidades, fiquei pensando, acho que todos pensam assim por um segundo que seja, e com aquele desejo bobo de reviver aqueles dias, ou apenas um daqueles dias (de preferência os mais tranqüilos, não? haha)... Não cheguei a me constranger com as lembranças... para algumas eu fiquei um pouco indiferente e para outras eu fui bem longe.

Na viagem de volta, de pensamento em pensamento, logo veio a minha mente duas passagens, uma do Livro do Desassossego e a outra de Alvaro de Campos, do poema "Aniversário"... outras passagens me vieram à mente, principalmente alguns poemas do Jorge Luis Borges - por inzêmprio, um poema lindíssimo chamado "nostalgia do presente" passagens de contos como "os tigres azuis" ou trechos de "A casa dos Budas Ditosos" (não, não me refiro a descrição das peripécias sexuais da narradora, perverts!, e sim de quando ela versa sobre a nostalgia e a saudade). Todos tratam, mesmo que na tangente, da memória e da sensação de perda diante da passagem do tempo. De qualquer forma, esses dois do Pessoa já me servem com bastante folga. Vamos, então:

Lembro-me de quando era criança e via,
como hoje não posso ver,
a manhã raiar sobre a cidade.
Ela não raiava para mim,
mas para a vida.
Porque então eu, (não sendo consciente)
eu era a vida.
E via a manhã e tinha alegria.
Hoje venho a manhã, tenho alegria,
e fico triste.
Eu vejo como via,
mas por trás dos olhos, vejo-me vendo,
E só com isso, se obscurece o sol,
O verde das árvores é velho,
E as flores murcham antes de aparecidas

No tempo em que festejavam o dia dos meus anos,
Eu era feliz e ninguém estava morto.
Na casa antiga, até eu fazer anos era uma tradição de há séculos,
E a alegria de todos, e a minha,
Estava certa como uma religião qualquer.
No tempo em que festejavam o dia dos meus anos,
Eu tinha grande saúde de não perceber coisa nenhuma,
De ser inteligente para entre a família,
E de não ter as esperanças que os outros tinham por mim.
Quando vim a ter esperanças, já não sabia ter esperança

Embora o ponto de partida seja o mesmo, e o tema seja tratado com igual delicadeza e igual crueldade (não pretendo fazer uma análise poética ou estética... nem se empolguem! - e alguém se empolga com o que eu escrevo? hahaha Se sim, me avisem!), os ângulos são bem distintos.
No primeiro, olhando a cidade amanhecer, seja no youtube, no orkut ou lendo o que restou de lembrança nas caixas, cadernos, camisetas assinadas (alguém ainda assina camisa no final das aulas?) de imediato se percebe que aquela primeira sensação está perdida. Repetições são impossíveis.
O trecho extraído do "Livro do Desassossego" ilustra a minha sensação diante dos desenhos e seriados que eu assistia na minha infância: uma comida requentada, levemente ou quase estragada. Ou talvez como se fosse profanado um templo sagrado...
Entender que tudo sempre foi fosco e os olhos simplesmente tinham o poder de dar vida e cor as coisas é algo desconfortável, no mínimo. Por isso, não gosto muito de ir na onda do saudosismo... o passado não é necessariamente melhor ou pior.
No entanto, rever e de algum modo emular as sensações da infância é, sim, muito bom, revigorante em alguns casos, mas depende muito de como for feito. O problema está quando elas são colocadas em um patamar superior, quando são por nós sacralizadas e ficam tão inatingíveis, que passam a ser uma ameaça, fica doloroso lembrar.
Borges disse uma vez que o importante não é ler, mas reler. Um de seus personagens disse na vida ter lido apenas 4 ou 5 livro (vou olhar depois para me certificar, mas se estiver errado, e alguém souber, pode me corrigir!), estes foram justamente os que ele lia e relia. E, se a principal leitura que fazemos é a do livro de nossa vida, o ofício exige cautela e calma. Primeiro porque esse costume bobo de achar que o passado sempre foi melhor, mascarar as lembranças, fantasiar que tudo foi bom... hmmm, isso é um caminho perigoso, e a nossa amiga narradora do livro "A casa dos Budas ditosos" (do mestre João Ublado Ribeiro, ilustre cidadão da Ilha de Itaparica) já nos explicou isso com muitos detalhes.
O verde velho das folhas sempre esteve lá, e as flores sempre estiveram murchas... o problema é admitir que os nossos olhos também envelheceram e estão vendo mais cinza do que deveria...
É justamente neste ponto que os dois textos se encontram: na quebra com o sagrado da infância no poema "Aniversário", que aqui estou livremente utilizando como complemento. Da infância sobraram as esperanças que nunca se realizaram, e tampouco se realizarão, e o tempo, visto como o Rio Aqueronte ou o Styx, traz as eternas separações. Ser criança é ter a certeza de que todos estão vivos. A palavra morte raramente faz parte do vocabulário infantil, fora dos desenhos de luta, a idéia da morte é algo abstrato e pouco compreensível. Essa segurança que sentimos na infância é posta em xeque. Olhando para trás, se percebe as farsas. "Quais eram as minhas esperanças?", diz Caetano Veloso na letra da música "O Nome da Cidade".
O passado foi tão difícil quanto é o presente, dificuldades diferentes, mas tão complicadas quanto... em bom cristianismo: a "cruz só aumenta e fica pesada", "Deus só dá a Cruz pela força de quem a carrega" ou ainda "Deus dá o cobertor de acordo com o frio".
A minha grande saudade da infância eram meus sonhos e minhas esperanças, não fui (muito) inconseqüente, e por mais que eu queira negar, fui, sim, muito ingênuo (acho que isso deve ser bom, apesar dos problemas que me trouxe) e daltônico às avessas haha.
O caso é que estes dois textos, embora tão cruéis (já que é cruel crescer... o nascimento, o parto, é doloroso, e talvez seja uma das grandes metáforas da vida), são bem reconfortantes... primeiro porque tentam universalizar um sentimento e uma frustração, a ponto de naturalizá-la, e depois porque eles, de certa forma, neutralizam essa sensação de que falta um pedaço. Faltará sempre um pedaço. E isso é bom.
Outra conseüência bacana dessa experiência é perceber que algumas coisas mudam profundamente e outras, não. Depois de me colocar no divã com Seu Pessoa, Seu Borges e Dona Casa dos Budas Ditosos, posso mais uma vez voltar ao YouTube...
O tempo segue sendo essa vedete... hehehe... todo mundo fala! Termino hoje com uma música do David Bowie que se encaixa aqui também... (pensei em colocar "o tempo não pára", na versão original ou na versão inclassificável do Ney Matogrosso, mas como escrevi este texto ouvindo "Hunky Dory", "Space Oddity" e "The Rise and Fall of Ziggy Stardust and The Spiders from Mars", David Bowie foi quase uma imposição. haha). A música se chama "Changes"... conhece? Está em uma das propagandas de Vh1...

Prometo que os próximos textos serão mais engraçados... tenho saído pouco e perdi meu "bloc" (o blog físico que anda comigo onde eu for!)... encerrei o assunto memória, por hora, pelo menos...


CHANGES
(crique aqui e faça o "daúnloudil")

Low down
Ooo

Still don't know what I was waiting for
And my time was running wild
A million dead-end streets and
Every time I thought I'd got it made
It seemed the taste was not so sweet
So I turned myself to face me
But I've never caught a glimpse
Of how the others must see the faker
I'm much too fast to take that test

Ch-ch-ch-ch-Changes
(Turn and face the strange)
Ch-ch-Changes
Don't wanna be a richer man
Ch-ch-ch-ch-Changes
(Turn and face the strange)
Ch-ch-Changes
Just gonna have to be a different man
Time may change me
But I can't trace time

Ooo yeah
I watch the ripples change their size
But never leave the stream
Of warm impermanence and
So the days float through my eyes
But still the days seem the same
And these children that you spit on
As they try to change their worlds
Are immune to your consultations
They're quite aware of what they're going through

Ch-ch-ch-ch-Changes
(Turn and face the strange)
Ch-ch-Changes
Don't tell them to grow up and out of it
Ch-ch-ch-ch-Changes
(Turn and face the strange)
Ch-ch-Changes
Where's your shame
You've left us up to our necks in it
Time may change me
But you can't trace time

Strange fascination, fascinating me
Ah Changes are taking the pace I'm going through

Ch-ch-ch-ch-Changes
(Turn and face the strange)
Ch-ch-Changes
Oh, look out you rock 'n rollers
Ch-ch-ch-ch-Changes
(Turn and face the strange)
Ch-ch-Changes
Pretty soon now you're gonna get older
Time may change me
But I can't trace time
I said that time may change me
But I can't trace time

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