Não acredito na responsabiliadde social

sexta-feira, setembro 12, 2008

Falei há alguns posts que considero essa onda de "ades" uma onda de fraudes - responsabiliade social, é um claro exemplo disso. Já ouvi em alguns lugares bem distintos entre si (da academia a fila da padaria e as incontáveis assembléias de boteco) que "está na moda ser responsável".




Isso não só para as empresas. Eu, você, todos precisamos ser responsáveis. Humpf. Sim, sei....

A ditadura agora é outra: é preciso ser responsável. Aliás, agora é um dever ser responsável com tudo, cultura, meio ambiente, proteger as crianças, votar sabiamente e evitar as armadilhas dos "políticos corruptos" e, claro, "fiscalizar a ética" (essa última já soa até engraçado! É sabido que a tal ética é uma forma de
julgar os comportamentos e não os próprios comportamentos, ça va?! Não é um sentimento nem uma virtude: é um julgamento que classifica algo como correto ou incorreto, normal ou desviado, ok?! Então, classe, nada de dizer por aí que fulano é "anti-ético" ou que "falta ética nesse país"... não existe um "anti-julgamento", se bem que eu não duvido é de mais nada.... vou morar na Ilha de Itaparica e virar pescador, ganho mais!).

Mais do que nunca ir ao teatro, cinema (principalmente se for para prestigiar a produção audiovisual nacional), valorizar as culturas populares, as diversidades de credo, raça, etinia, valores é algo requisitado. Vejo com muita preocupação e resistência essa onda politicamente correta... Não se trata de descrédito, intolerância ou facismo. Primeiro porque essas supostas responsabilidades que devem ser assimiladas como solução dos problemas do mundo - da fome, pobreza, epidemias, poluição....... - são ainda um reflexo de uma mentalidade tecnocrata, colonizadora, altamente vertical e que dissimula o questinamento do status quo sustentada em uma "pedagogia das responsabilidades para a libertação".

Há um sem número de "eco-indústrias", há uma linha de "eco-design", é algo
in comprar móveis de madeira de demolição, madeira reflorestada, sapatos de couro ecológico, calças de algodão orgânico... mesmo que o impacto gerado por eco produto seja muito maior do que um produto "poluidor". As turnês são ecológicas. Al Gore (ou "A mosca.... morta!") ganha um oscar como consolação por não ter sido eleito presidente dos Estados Unidos consultando o oráculo da ciência para profetizar o fim do mundo. O futuro deixou de ser "Os Jetsons" e passou a flertar, mais uma vez, com "Blade Runner" e "Mad Max", numa perspectiva pessimista, e "Os Flintstones", numa perspectiva otimista. Claro, com tanta coisa orgânica, eco, máquinas vivas e carros híbridos (metade combustível, metade força humana nos pés), em breve estaremos iguais a família de Fred e Wilma.

O pior de tudo é que essas responsabilidades mascaram os problemas, os causadores dos problemas. Aí a coisa complica... o buraco é mais embaixo, veja só: os países mais desenvolvidos, e, portanto, mais poluidores (direta e indiretamente) são aqueles que estão capitaneando a retomada da proteção à mãe-natureza. Tem gente bacana? Sim, mas creiam, não representam mais do que 10%. Os últimos 100 anos testemunham um desdobramento de revoluções industriais que promoveram movimentos migratórios cruéis, duas guerras, duas epidemias de gripe (que mataram mais do que as guerras), ditaduras, guerras civis, poluição, os índices de qualidade de vida atingirem um nível de disparidade absurdo, concentração de riquezas e bens (inclusive os naturais), e para além da concentração assistimos a processos de usurpação de riquezas.

O que mais vem no pacote? Incríveis doses de hipocrisia. E vemos o Radiohead afirmar que as turnês ecológicas são inviáveis por causa dos....... fãs? Vemos um evento de proporções globais (afinal, para um aquecimento global, o evento tem que ser global também, se não fica por baixo) que deveria alertar o mundo contra o bicho papão do aquecimento global consumir absurdas quantidades de energia e causar um impacto semelhante ao de... hmm.. nada?! Acho bacana e válido que artistas e grandes empresas financiem o que está na moda... não é o negócio deles, mas ajuda o negócio deles a ser mais lucrativo. Não acho de todo mal que se financie a atual moda verde e responsável. O problema é que as coisas, como sempre, perdem muito as medidas e começa uma caça às bruxas. E o pior é que fingimos caçar e fingimos não sermos a caça. É patético!

O próprio respeito à diversidade, da cantada em verso e prosa Declaração da UNESCO (na qual o nosso Ministério da Cultura teve participação fundamental), que é uma coisa sensacional, é entendido por muitos pelo avessas. Algo como a diversidade não é apenas imposto por uma lei, por um código de condutas aceitáveis ou por uma obrigação de aceitar o outro. O Sodré, diretor da Fundação Biblioteca Nacional, disse uma certa feita que o respeito à divesidade (e algo que eu creio se extender às outras responsabilidades propostas nesse infante milênio) é condicionado por um quadro que é mais afetivo e sensível do que formado por uma racionalidade dada. Ainda na mesma fala (lá na Caixa Cultural), ele esclareceu o que é "diferenciar" e "fazer a diferenciação"; no primeiro caso, é feita uma distinção e se cria uma relação de identidade absoluta e alteridade absoluta, ou seja, o que Eu sou e o que Outro é, mas partindo de um olhar externo, é uma comparação superficial. Já "fazer a diferenciação" impolica em observar o Outro conferindo a ele uma identidade, uma identidade que possui diferenças e similitudes com a identidade do Eu. Obviamente, para fazer a diferenciação é preciso conhecer e para além disso compreender o Outro, sem super valorizá-lo ou subvalorizá-lo. Em última instância, é preciso gostar do Outro pelo fato dele possuir uma identidade diferente do Eu. É exatamente no oposto do comportamento de aceitar o Outro e considerá-lo um segmento fundamental de composição das identidades do Eu que se encontra a gênese do preconceito e das discriminações; quando o conjunto mais superficial de informações sobre as referências e identificações são suficientes para estabelecer uma comparação, sem que exista qualquer laço afetivo ou aprofundamento nas informações. Em geral, quem se compara também se considera superior, afinal, ele não precisa conhecer o Outro para
diferenciar. O Outro fica condenado em um caminho deslizante ou então o oposto: um fixação radical. E um detalhe, ou o sujeito que diferencia tem uma relação paternal com o Outro ou uma relação de repulsa.

Nota do blogueiro: Falei aqui em identidade e nem estabelci o conceito que estou pensando aqui. Bom, considero aqui identidade os conjuntos de identificações que os sujeitos assimilam e se valem na busca de alguma fixidez, uma vez que as identidades (ou conjuntos de identificações) são deslizantes e fluídas - nós somos muitos, desempenhamos múltiplos papéis e somos multireferenciais, embora em cada situação ou contexto um tipo ou um determinado conjunto de referências tende a prevalecer.


Vamos voltar para as responsabilidades?

A responsabilidade que se deseja atingir (sem conseguir) é algo que advém da esfera do sensivel, pela partilha intersubjetiva de valores em determinadas comunidades que variam no tempo e no espaço e que se modificam. Os valores que dão origem ao julgamento ético surgem nesse bojo e não no caminho inverso. A aceitação passa pelo sensível, uma vez aceito, determinado "conselho" deixa de ser uma obrigação moral e ética (recomendada pelos papas) e se converte em algo internalizado e natural, e ainda assim não está livre de transgressão.

Se eu acho a responsabilidade social bacana? Acho, lógico! Mas se ela não partir de um pensamento que veja no outro um indivíduo singular que detém uma cota imensurável de dignidade e que a relação, mesmo diante de hierarquias deve obedecer ao respeito dessa singularidade e ao processo de diferenciação, superando paternalismos e tecnocracias, continuaremos com um mecanismo falso, ações de realações públicas travestidas de responsabilidade social e "preocupadas com qualidade de vida". Ora, se não se considera o bem maior na vida de um indivíduo (sua dignidade), não há como falar em responsabilidade social ou qualidade de vida...

Acho que devemos preservar o planeta? Claro!! Mas desde que quem compre ilegalmente mógno da Amazônia pra fabricar instrumento musical (extendo aos artistas que compram os instrumentos) parem de promover uma cruzada pelo "pulmão do mundo" (que por sinal não é... o pulmão é Oceano Pacífico e as algas... o que a Amazônia preserva é uma IMENSA biodiversidade e contribui na manutenção da temperatura).

Mas essa é a extensão do colonizador: ele apronta e ainda sobra para o colonizado. O Radiohead faz um show, cobra (ou lucra) mais porque é "ecologicamente correto", mas se não deu certo a culpa é de quem foi para o show? Complicado... complicado...

Lá vem as organizações internacionais pautar as discussões locais e tomar a frente, como detentores do saber absoluto. Cuidado! Não se trata de um plano de dominação ou invasão, mas de reafirmação de superioridade e inferioridade. Não sou xenófobo, acho fundamental criar boas relações bi-laterais e multi-laterais em todas as áreas, inclusive porque o olhar estrangeiro pode flagrar coisas que o cotidiano esconde e contribuir substancialmente na solução, no entanto, quem deve pautar as necessidades é o país, a comunidade. Essas diretrizes mediadas pela comunicação de massa global desconsideram, em geral, quaisquer contexto espaço-temporal, realidades, identidades e singularidades. Daí uma efetividade, eficácia e eficiência pouco impactantes.


Voluntariado? Esse eu nem vou falar muito, mas eu só sei que muita gente lucra na filantropia e utiliza a mão-de-obra voluntária de modo perverso... me inventaram um tal de "mobilize sua comunidade", que resguardadas as devidas proporções me irrita bastante. Ainda mais quando eu acompanho os processos, mesmo que de fora.

Um dia ainda vamos compreender que a revolução começa dentro das pessoas (é por isso mesmo que ela não será televisionada via satélite nem veiculada na internet!). Acredito muito na soberania que vai da família até a nação. Tem um ditado em Barra do Gil (lá da minha infância) que diz que "da porta pra dentro povo de fora pisa devagar e só come o oferecido".


Acho que irei neutralizar as emissões de carbono das minhas missivas.


Até breve. À bientôt.

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