Selma, Vamos olhar para o futuro?

sábado, março 29, 2008

Listando as referências de obras que ajudaram a moldar minha personalidade (sim, se você não sabe, os filmes e livros transformam nossa vida: depois de um filme ou de um livro já não somos mais os mesmos... é sério!!), a associação foi quase automática. Mas para além dos "livros, discos e nada mais", o que posso destacar é um filme chamado "A Partilha", uma comédia dramática dirigida pelo Daniel Filho e baseada numa peça homônima do Miguel Falabela. A trama, para quem não conhece ou não lembra, gira em torno de quatro irmãs - Selma (Glóra Pires) , Lucia (Lília Cabral) , Regina (Andréa Beltrão) e Laura (Paloma Duarte) - reunidas por uma triste circunstância: a morte da mãe.


A partir da partida da mãe, durante a partilha dos bens, sobretudo o maior de todos - um apartamento antigo no Leblon -, enquanto refletem sobre os sonhos, frustrações, realizações e fracassos, as quatro desenham um retrato da geração pós-década de 70, pós-milagre econômico e do que aconteceu com as "esperanças de um país do futuro".

Essa descrição em tese deveria afastar o filme de um jovem de 22 anos (e que assistiu pela primeira vez aos 16 anos) que não viveu nenhuma dessas experiências, no enatnto, isso não aconteceu. O que me atraiu foi a direção primorosa de Daniel Filho, acrescida do texto sagaz de Falabela (além do sua marca registrada: timming super rápido e piadas com notas tragicômicas), as atuações convincentes e emocionantes das atrizes (inclusive, o exaustivo trabalho de ensaios garantiu que o filme fosse concluído em cinco semanas... e "de prima!", isto é, quase sem refazer as cenas).

O filme mostra o difícil acerto de contas entre 4 pessoas, outrora muito próximas, que tomaram rumos completamente diferentes na vida... talvez tenham sido sempre distantes, inclusive. No final das contas, elas conseguem superar as diferenças se mantém unidas.

Talves eu tenha visto no filme alguma semelhança com minha familia, ou pela ausência de uma família na época que eu assisti o filme pela primeira vez.
Enfim, tudo isso poderia justificar o gosto pelo filme, mas na verdade, na verdade, não foi só o filme que me atraiu... mas no ritual de familia (e de agregados que moravam em minha casa na época e depois dela) constituído para assistí-lo, e porque não dizer, para fruí-lo!

Era quase sagrado, sério! Chegou-se ao absurdo de comprar um kit de chá semelhante ao do filme, decorar diálogos... houve uma assimilação e uma identificação muito intensa entre a realidade fantástica da minha casa com a ficção... (eu realmente não sei qual era mais fantástica, se a realidade do filme ou se a realidade da minha casa!)

Assistíamos (e ainda assistimos) e damos risadas nas mesmas cenas, como se fosse a primeira vez... e as risadas são, como posso dizer, cumulativas... o filme já traz lembranças das lembranças e que são apenas isso: lembranças... Quando eu assisto acompanhado de minha mãe e meu irmão é como se a gente renovasse algum pacto tácito ou elo união.

Ainda sobre filmes, um outro decisivo na minha vida é "The Blues Brothers", do John Landis, escrito por ele e pelo Dan Akroyd. Perdi a conta de quantas vezes eu vi esses dois filmes!

The Blues Brothers, ou em português "Os Irmãos Cara-de-Pau" (associação meio tosca com "Os Irmãos Karamazov", mas tudo bem, eu relevo!), foi o primeiro filme que eu me lembro ter visto em toda minha vida. E logo eu, ainda infante, no auge dos meus 4/5 anos de idade (1989), sendo apresentado a nata da nata do blues, jazz e rhythm & blues: Cab Calloway, Aretha Franklin, Ray Charles, James Brown e ainda conferi "scoops" de figuras como Steven Spilberg e Carrie Fischer (ou Princesa Léa, pra quem não conhece/lembra), só para citar dois nomes entre a infinidade de personalidades do mundo pop que fizeram uma ponta no filme.

Claro que da primeira vez eu não captei as piadas nem as referências pop... mas se tem algo me ensinou a ser sarcástico, foram as aventuras de Jake e Elwood. A história do filme (por sinal, se você não conhece, trate logo de conhecer) gira em torno dos irmãos Jake e Elwood, líderes de uma banda de Blues, que partem numa missão divina: promover a reunião da banda, separada há alguns anos, para arrecadar fundos para o orfanato onde os irmãos foram criados, que corre risco de ser fechado por inadimplência com o Leão. No caminho, os irmãos colecionam fãs e inimigos, muitos inimigos... o filme tem uma das mais excitantes cenas de perseguição da história e reúne atos musicais igualmente excitantes (a trilha sonora é excelente! Escutar a trilha sonora do filme também é outro ritual de familia!).





Tudo no filme me empolgava: as músicas, as perseguições, os óculos escuros... esse filme me mostrou desde cedo como ser sarcástico e irônico. Este também é outro que foi ritualizado... assistir a este filme é voltar a um tempo especial e repetir um comportamento especial, quase sagrado. Claro que decoramos alguns diálogos... o melhor do que a ficção é o universo expandido da ficção, né? Estamos em família, estamos em casa... sem as nostalgias desnecessárias, essas não caem bem.





Para os novos agregados, os novos membros da nossa familia, assistir a esses dois filmes é uma obrigação!! Uma iniciação no clã... e o índice de insatisfação é "ingual" a zero... se a teoria dos campos sociais acertou em alguma coisa foi em afirmar que só andamos com os nossos pares... heheh.

Acho engraçado que eu vivi tanta coisa na minha adolescência (coisas boas e ruins, como todo adolescente)... gostava (ou achava gostar) de ser anti-careta (e/ou anti-familia), tentei me encaixar em tribos, me enquadrei, inclusive, e vivi uma infinidade de experiências dos mais variados tipos, no entanto, as coisas que deveriam (ou não?) ter me marcado mais, como as da escola, dos amigos da escola e das aventuras e desventuras, marcaram pouco ou nada marcaram... como bem diria a personagem Regina "...se você pensar na gente há tantos anos atrás vai ver que nada mais disso tem importância!"... as mais importantes foram as coisas que vivi longe da escola (em casa) e longe da minha cidade (nas férias, portanto, longe da escola). Em casa, era sempre uma festa, na ilha era sempre uma festa... na escola, sempre uma opressão discreta... mas nada disso tem mais importância, "vamos olhar para o futuro, Selma?"




Acho esquisito que entre ter assistido "A Partilha" e "The Blues Brothers" exista um lapso, uma espécie de abismo espaço-temporal. No vazio que os separa estou eu, ou melhor, eu versão adolescente hehe.
Eu me vejo numa boa, hoje, como versão 22.0 daquela criança que curtia TV Pirata e "The Blues Brothers", mas quando me olho aos 13, 14 e 15 anos, não me reconheço direito... mas talvez isso seja normal... tudo que é muito próximo acaba ficando meio embaçado... talvez em alguns anos eu entenda melhor como foram as coisas...

Construir uma ponte entre eles não foi fácil... mas quem quer o fácil?! Se entre o número 1 e o número 2 existe um abismo infinito, imagine entre os anos?

Já passa da hora e o sono não chega... dalmadorm, where are you?....
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