Listando as referências de obras que ajudaram a moldar minha personalidade (sim, se você não sabe, os filmes e livros transformam nossa vida: depois de um filme ou de um livro já não somos mais os mesmos... é sério!!), a associação foi quase automática. Mas para além dos "livros, discos e nada mais", o que posso destacar é um filme chamado "A Partilha", uma comédia dramática dirigida pelo Daniel Filho e baseada numa peça homônima do Miguel Falabela. A trama, para quem não conhece ou não lembra, gira em torno de quatro irmãs - Selma (Glóra Pires) , Lucia (Lília Cabral) , Regina (Andréa Beltrão) e Laura (Paloma Duarte) - reunidas por uma triste circunstância: a morte da mãe.
A partir da partida da mãe, durante a partilha dos bens, sobretudo o maior de todos - um apartamento antigo no Leblon -, enquanto refletem sobre os sonhos, frustrações, realizações e fracassos, as quatro desenham um retrato da geração pós-década de 70, pós-milagre econômico e do que aconteceu com as "esperanças de um país do futuro".
Essa descrição em tese deveria afastar o filme de um jovem de 22 anos (e que assistiu pela primeira vez aos 16 anos) que não viveu nenhuma dessas experiências, no enatnto, isso não aconteceu. O que me atraiu foi a direção primorosa de Daniel Filho, acrescida do texto sagaz de Falabela (além do sua marca registrada: timming super rápido e piadas com notas tragicômicas), as atuações convincentes e emocionantes das atrizes (inclusive, o exaustivo trabalho de ensaios garantiu que o filme fosse concluído em cinco semanas... e "de prima!", isto é, quase sem refazer as cenas).
O filme mostra o difícil acerto de contas entre 4 pessoas, outrora muito próximas, que tomaram rumos completamente diferentes na vida... talvez tenham sido sempre distantes, inclusive. No final das contas, elas conseguem superar as diferenças se mantém unidas.
Talves eu tenha visto no filme alguma semelhança com minha familia, ou pela ausência de uma família na época que eu assisti o filme pela primeira vez.
Enfim, tudo isso poderia justificar o gosto pelo filme, mas na verdade, na verdade, não foi só o filme que me atraiu... mas no ritual de familia (e de agregados que moravam em minha casa na época e depois dela) constituído para assistí-lo, e porque não dizer, para fruí-lo!
Era quase sagrado, sério! Chegou-se ao absurdo de comprar um kit de chá semelhante ao do filme, decorar diálogos... houve uma assimilação e uma identificação muito intensa entre a realidade fantástica da minha casa com a ficção... (eu realmente não sei qual era mais fantástica, se a realidade do filme ou se a realidade da minha casa!)
Assistíamos (e ainda assistimos) e damos risadas nas mesmas cenas, como se fosse a primeira vez... e as risadas são, como posso dizer, cumulativas... o filme já traz lembranças das lembranças e que são apenas isso: lembranças... Quando eu assisto acompanhado de minha mãe e meu irmão é como se a gente renovasse algum pacto tácito ou elo união.
Ainda sobre filmes, um outro decisivo na minha vida é "The Blues Brothers", do John Landis, escrito por ele e pelo Dan Akroyd. Perdi a conta de quantas vezes eu vi esses dois filmes!
The Blues Brothers, ou em português "Os Irmãos Cara-de-Pau" (associação meio tosca com "Os Irmãos Karamazov", mas tudo bem, eu relevo!), foi o primeiro filme que eu me lembro ter visto em toda minha vida. E logo eu, ainda infante, no auge dos meus 4/5 anos de idade (1989), sendo apresentado a nata da nata do blues, jazz e rhythm & blues: Cab Calloway, Aretha Franklin, Ray Charles, James Brown e ainda conferi "scoops" de figuras como Steven Spilberg e Carrie Fischer (ou Princesa Léa, pra quem não conhece/lembra), só para citar dois nomes entre a infinidade de personalidades do mundo pop que fizeram uma ponta no filme.
Eu me vejo numa boa, hoje, como versão 22.0 daquela criança que curtia TV Pirata e "The Blues Brothers", mas quando me olho aos 13, 14 e 15 anos, não me reconheço direito... mas talvez isso seja normal... tudo que é muito próximo acaba ficando meio embaçado... talvez em alguns anos eu entenda melhor como foram as coisas...
Construir uma ponte entre eles não foi fácil... mas quem quer o fácil?! Se entre o número 1 e o número 2 existe um abismo infinito, imagine entre os anos?
Já passa da hora e o sono não chega... dalmadorm, where are you?....
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