Excessos religiosos: inzêmprio de coisa nociva

terça-feira, fevereiro 02, 2010


Nos últimos 30 dias eu passei a acompanhar com atenção alguns eventos e situações que me deixaram bastante preocupado com o rumo que algumas coisas estão tomando. Na verdade, creio que essas preocupações todos nós sentimos em alguns ou em todos os momentos da nossa vida.







A bola da vez são os excessos religiosos. Ah, os excessos. Em bom baianês do interior do estado, a "tanficância"... Devo dizer, antes de qualquer coisa, que não sou iniciado em qualquer denominação religiosa, embora eu me considere bastante espiritualizado.

Acompanho consternado o que penso ser um discurso "fundamentalista cristão" (seja de matriz católica ou de matriz protestante/evangélica/(neo)pentecostal) difundido com grande força pelos veículos de comunicação de massa. Me refiro aqueles programas de variadas denominações religiosas que passam a partir das 21h em diversos canais ou até mesmo de canais exclusivamente dedicados às práticas religiosas. Nos últimos dias eu zapeei entre um canal e outro (podemos ter 300 canais na SKY, mas, efetivamente temos 2 canais úteis, 150 de vendas e 148 religiosos) e assisti a pregação de um padre e de dois bispos (cada um em seu templo e em seu canal). Qual não foi minha surpresa? Primeiro, as falas eram uníssonas! Ora, isso deveria ser uma benção (literalmente), já que faz cair por terra as disputas (ao menos as discursivas) entre as igrejas. Mas não foi bem isso que eu percebi e foi exatamente isso que me assutou.

As falas dos três sacerdotes denotam uma coisa incômoda: que ainda conservamos valores (diria eu) um tanto arcaicos e perdemos o foco do que realmente interessa e é relevante - a religação com o divino e com os os outros.

Política e religião são virtualmente indissociáveis, mas a igreja é uma entidade perigosamente política. Essa associação deveria ser a todo custo evitada ou banida.

Nas falas dos sacerdotes eu me assustei com a perversão de termos como liberdade, livre arbítrio, igualdade, amor, amor de Deus, justiça, retidão... Vi um Deus (que até onde minha inocência e arrogância me dizem) que é, supostamente, nosso Pai (cósmico, universal, criador, enfim, vocês decidem como chamar) e entidade feita de puro amor ser pintado como um general cruel, vingativo e cheio de rancor.

Não lembro bem se foi o padre, o bispo ou a bispa que diferenciaram o temer do escravo, do carrasco e do filho, sendo que o escravo teme a fúria do senhor e do carrasco, o carrasco teme porque há poder político e poder financeiro em jogo. Já o filho "teme porque ama". Até onde eu sei, amor (me corrijam se eu estiver equivocado!) é algo que não caminha junto do medo... respeito, cuidado, atenção e carinho, eu concordo... mas medo? Fica parecendo uma piada irônica e sem graça... "Olha, Deus te ama, é seu Pai Eterno, mas se você não fizer o que ele quer que você faça ele acaba com sua vida com requintes de crueldade". Amor é amor. Medo é medo. Não se misturam.

As falas construíam um verdadeiro manual de instruções sobre como "amar" esse Deus das Igrejas, como ir ao céu e como ser livre, argumentando que, por inzêmprio, ser livre é, na verdade, estar livre de (alguma coisa). "A importância do celibato", "a importância da retidão" (seja lá que maluquice seja isso!), "quem Deus condena e condenará", "quem é o justo", "sobre quem a fúria de Deus é alvo". Estar livre das drogas (lícitas ou não) é algo cantado em verso e prosa!! Estar livre de pecados... mas quais?

Até onde eu sei, Jesus bebia vinho (tornou água em vinho), gostava de celebrar a vida dividindo alimentos (multiplicou pão e peixe)... Logo, beber não é um problema. O excesso da bebida é complicado, reconheço, mas ainda assim, não vamos pensar que só peca aquele que fuma um baseadinho, cheira uma carreira de pó, toma um docinho ou bebe uma cervejinha.

nota do blogueiro: a pessoa que fuma pedra É PECADORA, é na verdade um zumbi que atende pelo nome científico de "Catiribum" - fumou, morreu e continua vagando pelo nosso mundo...

Voltando.

E essa coisa de pecado (sustentado por essa moral desnecessária) que diz que se peca "por atos, palavras, pensamento e omissão" (logo, estamos todos com nossa suntuosa mansão de vaidades no inferno, correto?) e segundo porque tem muita gente que nunca bebeu cerveja, cachaça, vinho, espumante, fumou cigarro ou consumiu as demais drogas, arrota que é santo(a), mas tem um coração podre, cheio de maldade, cobiça, ira... desses que seria detonado no Tribunal de Osiris de tão pesado! O que vale é o coração e o que sai dele pela boca, as obras ou seguir uma dada conduta?

E quanto ao amor ao próximo, a si mesmo, o perdão ao próximo e a si mesmo... a paz (que é feita para os atormentados) e o perdão (feito para os imperdoáveis) e a misericórdia? E o não julgar para não ser alvo de julgamento... esse último eu ouvi o disparate que "se pode julgar baseado na bíblia"!!! Mas que maluquice!!! Um livro escrito a não-sei-nem-quantas mãos, traduzido, retraduzidos, assimilado por diferentes culturas, que expressa valores muitas vezes conflitantes.... mas enfim, que seja pela Bíblia - lá está escrito que para Deus não há pecado maior ou menor... que consumir carne de porco é pecado, que consumir lagosta é pecado... assim como matar, adulterar, cobiçar, conspirar... se tudo é pecado, nada é, correto? O Borges disse uma vez que Deus medirá os homens com a Sua medida e eu concordo com isso.

Mas seguindo no discurso religioso fundamentalista.

Digo fundamentalista porque ele incita a intolerância justificando o discurso em uma Divindade e nas vontades dessa Divindade. E nessa busca interminável por retomar os valores que se perderam. Não há mais julgamento, há condanação sumária. As pessoas falam e agem por Deus: matam, humilham, agridem... enquanto entoam sonoros hinos de louvor.

Não é difícil encontrar explicações para as catástrofes embasadas nesse discurso (da vontade Divina e do Castigo Divino): atribuir as recentes tragédias do Haiti pela prática dos Voduns é a mais recente e pra mim foi a pior delas! Assim disseram os primeiros-ministros, assim disseram os "irmãos" batizados, assim reproduzem blogueiros, jornalistas religiosos, políticos... todos com as devidas citações bíblicas e aquele tom de "eles merecem tudo que com eles acontece".

Muito me aborreceu atribuir uma tragédia em um país que estava pra lá da miséria a um castigo divino (inclusive, uma tragédia que estava prevista na Bíblia!). E as pessoas falam disso em suas calorosas falas e entoam glórias e aleluias... não pode haver júbilo na dor alheia, na tragédia alheia.

E de tudo isso, o maior problema são os excessos, porque as pessoas têm o direito a suas fés, por mais cruéis que elas sejam e por mais nocivas. Mas isso é amplamente divulgado... há um suporte nos meios de comunicação de massa (impressos, televisivos, radifônicos) e também nos templos. Se foca na merreca da conduta e se esquece do fundamental: o coração, os atos e as obras. Esses podem ser escassos, afinal, pessoas de boa conduta não precisam de boas obras... ¬¬

Todo mundo quer condenar as sodomas e gomorras para libertar a si de uma condenção criada e imposta por eles mesmos. (E isso me enfurece!). Desse jeito, não basta ser correto, os outros devem antes de qualquer coisas estar errados (erradíssimos, por sinal!). Cadê o fio condutor da bíblia que é a transformação e evolução espiritual? O perdão maduro que permite que seja oferecida sem medo a face, que permite perdoar o algoz, já que ele nem sempre sabe o que faz? As verdadeiras sodomas e verdadeiras gomorras estão no caração dos injustos, assassinos, invejosos, mentirosos e que usam o nome de Deus em favor de seus propósitos pessoais e que vão no seu caminho ensinando o ódio e a indiferença travestido de amor e fé! O bezerro de ouro continua ali exposto e todos eles se curvam diante dele. Eu não me curvo.

Não sei qual será o resultado disso, mas tenho (em última instância) muito medo. Vivemos uma fase que pode ser anterior a um grande avanço ou a um grande retrocesso. De qual lado você está?

Na boa? Vamos amar. Vamos ser gentis conosco e com o nosso próximo. Fazer caridade se for algo que te faça sentir bem. Respeitar as pessoas do mundo, as coisas do mundo. Perdoar e nos permitir ser perdoados. É dificil, eu sei. Mas é algo tão simples! Vamos amar, Deus é amor, lembram?

5 comentários:

Unknown disse...

EI, escritor carente, seria maravilhoso ser chewbaccada everyday por chefinhos como vc.

Unknown disse...

Não consigo te add no orkut pq suas configurações de privacidade exigem q eu saiba seu email. Manda seu endereço de email pro twitter meu: @alana_falcao

Carla Vergara disse...

Caríssimo Lucas: falou e disse. Tb fico absolutamente chocada com isso. Essa noção dicotômica da vida já deu o que tinha que dar, aliás deu até demais!

Márcio Pinheiro disse...

Eu absolutamente concordo que Deus não é este ser que pune de acordo com as morais das cúpulas das igrejas, das "comunidades interpretativas cristãs", que discrimina e julga. Aliás, só para começar, Cristo pregava "não julgueis para não serdes julgados".

Samuel disse...

Muito bom!

A melhor definição de Deus que já vi foi a do blog SAC DIVINO (sacdivino.org):

"SOBRE O AUTOR:
Sou invisível, moro nas nuvens, posso tudo, sei de tudo e estou em todos os lugares. Sou perfeito e controlo todo universo, que criei em apenas 6 dias. Eu amo todos vocês, mas tenho uma lista com 10 coisas que não quero que você faça! Se fizer, reservei um lugar especial com fumaça e fogo no qual irei te torturar e sufocar durante toda a eternidade."

Abs.
Samuel Cersosimo
Autor do blog www.viasdefato.com
@viasdefato