O garoto do adeus

quinta-feira, maio 07, 2009


Estou treinando para ser frasista. Quem sabe um dia? Estudando e comendo bastante arroz com feijão, eu chego lá!






Às vezes me pego pensando se quem me abandou ainda se lembra de mim, se lembra do som de minha voz... às vezes fecho os olhos e estou com o olho no caminho, estou olhando o mar em um dia de verão chuvoso, estou a espera de alguém que não vem mais. Vivo também o oposto, a sitaução de alguém que vai e não volta, deixa alguém pelo caminho. Não tenho medo de me despedir, mas dói o mesmo tanto toda vez. Nem sempre ficar é melhor, nem sempre partir é melhor. Nem sempre se sabe dos preços de um e de outro, nem sempre se controla quem vai e quem fica. Existe também um rio que me separa de todas essas coisas... tudo ficou perdido em uma mar de lembranças. Tudo está onde deveria estar.

"Eu sou o garoto do adeus!"

A primeira vez que disse isso em sã consciência eu tive, ao me ouvir dizendo essas palavras, uma sensação que não sei dizer ao certo se foi boa ou ruim - talvez realmente existam coisas que não sejam nem boas nem ruins, que apenas são e nada além disso (alerta: nada de problemas da metafísica!). O fato é que me lembrei de quantas vezes eu já disse e ouvi adeus por uma infinidade de razões. Isso sempre volta de alguma forma em tudo que eu faço, seja nos textos, nas conversas e até mesmo nos trabalhos. Aqui no blog há uma série de pequenos indícios dessa sensação. Não pela saudade de quem ou o que se foi, mas pelo ato de ir embora.

Claro que na hora não pensei direito no que havia dito, mas na hora de dormir fiquei pensando, o dia amanheceu, tomei banho, café e isso ainda na minha cabeça. Primeiro fiquei pensando se sumir não seria um ato covarde (com ou sem despedidas), depois se não era por incapacidade de perdoar. Eu não estava em casa. Me coloquei na parede, desafiando a memória em busca de nomes, de rostos, de fatos, de raivas, de brigas, de momentos felizes, de momentos tristes. Assim eu levei por mais duas semanas, até o dia de voltar para casa.

Nos dias que eu estava fora eu vivi situações muito bacanas, estava em uma cidade linda, conheci pessoas legais, vi um google earth hiper-real (é uma coisa de louco mesmo, George!), mas principalmente, por me reaproximar de um tio meu que não via há quase 13 anos (vi ano passado, mas foi rapidinho, então não conta!) e fui reconstituíndo uma parte de minha vida por outros olhos. Não foi uma coisa epifanica, não é para tanto!, mas foi importante para que eu entendesse esse meu desapego com determinadas coisas e como tem correntezas que me levam, mas que algumas vezes eu me jogo no mar. Eu voltei diferente e todo mundo percebeu. Eu percebi.

Ficar e partir dependem do ponto de vista. São sempre dois os portos, as estações, os aeroportos, a estrada leva a algum lugar. Eu, por algum motivo, gosto simplesmente de seguir em frente, os portos de chegada são apenas para me descanso. Gosto de pensar que ainda não fiz minha viagem e que talvez nunca a faça, mas, ao mesmo tempo, que ela pode acontecer a qualquer momento... (nota do blogueiro: cabeça complicada e cheia de digressões, tenham paciência).


É como se eu morresse, como se todos também tivessem morrido e dizer essa palavra tão definitiva me fizesse acordar em uma nova vida. Algumas vidas são melhores que as outras, mas com exceção das saudades e de algumas marcas, pouco ou nada fica delas. Algumas duram mais, outras duram muito pouco. Muitas vezes é tudo tão involuntário que só percebo que tudo mudou muito tempo depois.

A primeira vez que eu "morri" foi aos cinco anos, quando me mudei de Salvador para Jequié. A mudança foi estranha, depois de me mudar três vezes em apenas 3 anos, finalmente iria para um lugar que eu moraria por 12 anos, me mudaria outras 3 vezes. O dia de arrumar as malas, ainda aqui em Salvador, teve sua cota de surrealidade, mas foi a chegada que me marcou muito. Lembro de três coisas da viagem: de um iogurte, de uma senhora idosa que conversou alguma coisa comigo (eu sempre fui conversador) e da quantidade enorme de morros que cercava a cidade.

Fazia calor. Chegamos no lugar que seria nossa casa por alguns meses: era uma casa pequena em um terreno enorme, com apenas um quarto, uma sala/cozinha e um banheiro. O piso era de cimento queimado de variadas cores, mas predominava o vermelho.

Ao abrir a porta a visão era perturbadora: poucos cômodos, todos pequenos, muitos móveis, todos grandes. Muita bagunça. Meu irmão recém-nascido chorava. Meu pai não estava em casa. Minha mãe ficou sentada processando aquelas informações. Vovó puxou uma faxina... lembro de imaginar que ao final da faxina tudo estaria arrumado, bonito... lêdo engano. Talvez minha primeira grande decepção. A casa era feia. No quintal, um grande tanque, uma gigantesca aboboreira e uma pimenteira - dedo-de-moça.

A paisagem era seca, eu guardava com saudade as lembranças de meus colegas da escola (que me fizeram uma série de desenhos, cartinhas e coisas que não sei bem dizer o que eram, mas tinha tinta, linhas, cola...). A saudade aumentou quando eu entrei na nova escola. Lembro bem do dia que fui na escola a primeira vez. Entrei na escola do meio para o fim do ano e pulei da "prontidão" (ainda chama assim?) para a alfabetização. Lembro de ter visto algumas crianças correndo, já sem farda (era período da tarde e lá só tinha aula no turno da manhã). Hoje, eu não sei mais quem elas são, mas pro alguns anos eu ainda lembrava, sei que foram pessoas que eu convivi depois, não eram da minha sala, mas eram de algum modo próximos. A chegada na escola foi algo terrível: meio do ano, cidade nova, sem parentes, primos, e um detalhe: todo mundo era rico, achava ou queria ser! Ficar deslocado era algo bem previsível.

Nem preciso dizer que não fiz muitos amigos... lógico que eu sempre fui chatinho (continuo sendo, acho! haha). Os três primeiros dias de aula deram o tom dos 12 anos seguintes - foram doze anos de purgatório, hormônios da adolescência, um divórcio malamanhado e situações de Lars Von Trier a Buñuel. Entrei pela porta dos fundos e saí pela janela e depois pulei o muro.

No primeiro ano eu sentia muita saudade de meus amigos daqui. Com o tempo a saudade deu lugar a outra coisa: eu me imaginava encontrando com eles ou me imagina ainda em Salvador, como se tudo não passasse de um horrível pesadelo... aliás algumas das poucas lembranças são piores do que muitos pesadelos. O tempo passou e assim como a saudade (e a falta que eu sentia dos primos, da casa antiga, do passeio no shopping, da praia) passou, esse desejo de "não estar lá" também se foi. Primeiro ficou um vazio, depois eu me encontrei com coisas que fizeram da minha vida mais interessante: HQs, desenhos animados, legos, playmobil e os livros.

Pouco depois me mudei de casa e, sem perceber, sumi da vida de meus primeiros vizinhos, mesmo morando no mesmo bairro, sem contar que eu sempre gostei de andar, mas simplesmente sumi. Não lembro mais dos nomes nem de como eram as pessoas, o som da voz, o que faziam. Mas esqueci isso pouco tempo depois de ter sumido. Tenho alguns flashes, mas tudo parece ser ora sonho, ora pesadelo e não como algo real.

Nesse período eu mudei muito pouco, se bem que podemos até ter a consciência da mudança, mas determinadas coisas são desveladas com o tempo, do nada fica tudo claro, óbvio, simples. Foram basicamente quatro, todas silenciosas, todas dolorosas, todas igualmente importantes com seus erros (que foram muitos) e seus acertos.

Essas "mortes" acompanharam minhas mudanças de casa, foram pouco radicais, mas em cada uma delas a única coisa que crescia era a vontade de viajar, conhecer lugares pessoas. A exceção foi última, que foi quando eu percebi meu desapego com algumas coisas e comecei a perder algumas amarras, me percebi "morrendo". Em uma das muitas madrugadas de insônia eu estava ouvindo música e me preparando para vir embora quando eu me dei conta que eu jamais veria a minha casa outra vez, meu quarto nada mais seria uma lembrança, e que tudo que eu vivi ali de bom e de ruim em breve pouco importariam, mas principalmente, eu iria embora.

No dia seguinte, o último dia, houve uma despedida, encontrei por acaso com alguns colegas da escola e começamos a beber em um lugar bem trash e depois fomos para outro mais trash ainda. Eu bebi demais, bebi até dormir... acordei na hora de voltar pra casa.

As malas estavam prontas, olhei a casa, tomei um banho... de algum modo eu desejei estar em todos os cômodos (essa já era maior! Cabia os móveis!), quis gravar cada momento, o sabor das acerolas, o cheiro das hortelãs, o cantinho da palmeira, as buganvílias, o cheiro de flor de maracujá... Eu sabia que os anos que viriam seriam duros, e principalmente os primeiros, era uma vida nova e até então desconhecida. Separei meus discos, separei minhas revistas, conferi as roupas. Lembrei quantas vezes eu desejei que aquele dia chegasse. O dia chegou, coloquei as coisas no carro e saí de lá como eu cheguei, em silêncio, curioso e olhando para os morros.

Passei no vestibular e ganhei... um ano de férias! Nesse período eu fui conhecer a cidade: fui a alguns teatros, conheci as feiras livres (comprei, comi, bebi, o escambau!), conheci o subúrbio ferroviário, fui no aeroporto (ainda não tinha ido depois da reforma), conheci o bairro Santo Antônio, conheci as viela de Itapuã. Começava ali um período difícil, mas ao mesmo tempo muito feliz, de grandes descobertas e... grandes despedidas seguidos de grandes esquecimentos.

Eu morri, eles também morreram. Já não importa mais. E o agora, será que vai importar? E o que virá depois? Nada importa. Talvez por isso tudo seja sempre tão especial... ver que tudo é especial dá trabalho porque complicamos tudo. Uma vez disse aqui que eu não queria o simples. Hoje eu matei aquele que escreveu aquilo: quero o simples. Não quero ter razão, quero resolver as coisas... As pedras sempre vem, mas tem sempre alguém para me ajudar a não cair ou a levantar, nem que seja eu mesmo!

Por um tempo eu imaginei que essa sina da despedida, dos desencontros, das partidas e do abandono fosse triste. Hoje eu já não sei. Ou será que eu sei?

Eu sou o garoto do adeus: eu sempre sumo, muitas vezes sem me despedir, eu me esqueço de tudo e ando. Deixo pelo caminho com o mesmo cuidado ou total ausência dele as raivas, os dissabores e as boas lembranças. Jogo em um rio de forte correnteza os rostos e os donos de seus rostos. Eu também sou como essa água. Eu disse adeus a minha família, a amigos, a sonhos, a casas, a coisas, disse adeus a mim mesmo. Eu também ouvi essa palavra ou fui abruptamente separado inúmeras vezes. Ainda passeio pelo mesmo lugar todos os dias 27 e 28 de dezembro esperando alguém que não virá, ainda espero uma visita que não vem.

1 comentários:

Carla Vergara disse...

Lucas, garoto do adeus. Adorei isso aqui: mto verdadeiro. Estou passeando por vc deste sábado a tarde quente de dar dó!
Bjs