Eu passei umas tardes em itapuã

quarta-feira, setembro 23, 2009

Depois de um século e meio sem postar, eis que o vosso humilde missivista retorna tal qual o filho pródigo.

Este ano que vivemos tem sido sui generis. Isso no bom e no mal sentido, mas como diz o sábio eremita de Botafogo (sim, tio, é de você que estou falando), a realidade é mesmo esse "colapso de pobabilidades e possibilidades" e a graça é buscar formas de resolver e lidar com os desafios e as surpresas, sejam elas boas ou ruins.

Há mais ou menos uma semana eu terminei um trabalho e para minha surpresa, dois amigos meus que moram em Angola apareceram por aqui por Salvador. Pronto: foi o suficiente para eu tirar uns dias de folga, aproveitar pra estudar um pouco e, acima de tudo, relaxar, dormir, ouvir e cantar sambas antigos até a madrugada, rir. Coisas que eu estimo muito e nos últimos tempos me foi privado por conta das circunstâncias.

O local escolhido não poderia ser mais oportuno: Itapuã. Para quem não conhece, Itapuã é um bairro famoso, cantado por Caetano, Vinicius, Dorival, começou como uma colônia de pescadores, já foi um antigo complexo de rios e lagoas (aliás, salvador era um grande complexo de rios e lagoas), é bastante afastado do centro da cidade e só foi urbanizada em 1980. Era um bairro de veraneio, imaginem. É tão distante do centro que algumas pessoas até hoje dizem que "vão na cidade" quando precisam sair de lá.

Já morei em Itapuã e devo confessar que mesmo gostando de lá, algumas situações, como se diz aqui na bahia, eram verdadeiras consumições! Era uma atrapalhação sair e chegar! Horas, horas... pegar um taxi era impensável!

Exatamente por causa disso, Itapuã é um universo paralelo. O tempo corre de um jeito diferente (mais lerdo, eu diria), é como se fosse uma ilha, mesmo com todos os problemas de uma cidade. Lá tem tudo: mercados, bancos, lojas de todas as familias, gêneros, filos e espécies, restaurantes de todos os gostos e bolsos, praia, acarajé, samba, pagode, reggae, axé, rock, arrocha... Destaque para as coxinhas: coxinhas com massa de batata do "Kibe do Carmel" e do "Rei da Coxinha", esse último oferece ainda coxinhas de aipim com carne do sol e coxinhas exóticas de provolone com calabresa (tem uma franquia em Itinga também, lá na praça dos carangueijos - aliás, foi lá que provei essa iguaria incrível!).

Lá tem também um depósito que entrega cerveja, refrigerante, água, gelo, carvão e... cigarro! Imaginem? Que beleza! Acaba com aquele climão na festa quando algum desses itens acaba e aquele grupinho (ou aquele individuo) tem que sair para comprar mais. Para os que dispõem de um carro é ruim ma non troppo, mas e os que "andam de a pé"? Esse depósito é uma excelente sacada... qualquer dia desses passa no "Pequenas Empresas Grandes Negócios".

Outra coisa bacana que me ocorreu foi que puxaram conversa comigo (dessas do nada, em bar, sacam?), coisa que nunca mais me aconteceu. Conversas bobas, geralmente falando de infortúnios tragicômicos de si ou de outrem, mas foi bacana. Estava eu na vendinha da rua comprando mais umas cervejas, quando me perguntam: "Você não concorda comigo, meu jovem? Faria o quê no meu lugar? Eu vi uma senhora de 80 anos com um rapaz assim da sua idadem novinho... perguntei como vai sua vó e o cara me respondeu: 'é minha esposa'. Ahh, você queria o quê?" E daí a conversa rendeu, cada um relatando as suas experiências e rindo dessas bobagens. Me apressei com as cervejas (que troquei porque elas começaram a esquentar e na casa que eu estava o nosso freezer era um simpático iglu de isopor).

Quem mora lá e explora esse estilo de vida com certeza vive mais, ou vive com uma qualidade de vida melhor. Não sei se consigo me acostumar, gosto de ambientes mais rápidos e um tanto caóticos, mas é uma boa conseguir me refugiar sem precisar viajar ou sair em retiro espiritual. Agora, quem mora lá dificilmente sai do bairro (a não ser para trabalhar) e quando sai vai para perto (Lauro de Freitas, Itinga, São Cristóvão, Piatã, Praia do Flamengo, Stella Maris, Patamares - todos muito próximos). São 200 mil habitantes. É uma cidade.

Passar umas tardes e noites em Itapuã foi um presente inesperado, mas foi exatamente a lerdeza (não aquela das piadas de baiano, por favor, mas a tranquilidade de um lugar antigo e que ainda conserva algumas coisas de interior e de vila de pescador). Me fez bem.

Cheguei na terça-feira, de mala e tudo. A casa ainda não tinha energia elétrica, ficamos todos a luz de velas e de lanternas de canivete suíço (made in bahia, i guess ha-ha!). Mas como estava todo mundo naquela maresia, estava bom. A luz chegou só na sexta-feira. A farra envolvia apenas cinco pessoas (pensando bem, eram cinco pessoas com cinquenta dentro delas ha-ha), mas rendeu bastante. Haja samba antigo, James Brown e Fella Kuti. Até Elizeth Cardoso (a divina, como diriam os cariocas) com o "Barracão no morro" e "Renascer das Cinzas" a gente ouviu - incrível o que um ipod, uma caxinha de som e pilhas (muitas delas) podem fazer.

Posso dizer que tentei mandar todo o stress para o espaço. Por alguns instantes tudo estava perfeito: eu cantei, sambei e ri. E foi bom. Entrei um caco, mas como diria o caro martinho, "sambar de azul e branco é o nosso papel".
Vamos renascer das cinzas
Plantar de novo o arvoredo
Bom calor nas mãos unidas
Na cabeça um grande enredo
Ala dos Compositores
Mandando o samba no terreiro
Cabrochas sambando
Cuica roncando
Viola e pandeiro
No meio da quadra
Pela madrugada
Um senhor partideiro
Sambar na Avenida de azul e branco
É o nosso papel
Mostrando pro povo
Que o berço do samba é em Vila Isabel