Arte baiana: um espetáculo para cadeiras e paredes

domingo, janeiro 06, 2008


Sim, este missivista da província está de volta... se até quem é morto aparece, porque os vivos também não podem?! Dirrube a praca de acidente de trabalho na sua empresa, patuléia! ZERO DIAS SEM ACIDENTE COM AFASTAMENTO!


Salvador é uma cidade interessante, torna-se ainda mais interessante durante a noite nos redutos de boêmios e artistas. Parece-me impressionante que em cada esquina que vai do Rio Vermelho ao Santo Antônio, todos (pelo menos a maioria) os artistas nas mais variadas espécies (atores, diretores de teatro, instrumentistas, cineastas, arte-educadores, vídeo-artistas, artistas plásticos, fotógrafos, publicitários, compositores, produtores) concebem idéias incríveis sobre temas quaisquer, entre uma bebida e outra, a luz do mais vago possível. Essas idéias têm níveis de complexidade alterados à medida que o teor alcoólico, ou nível de efeito de entorpecentes, aumenta e diminui. São filmes, espetáculos de teatro, exposições fotográficas, trabalho artístico em periferias, resgate da cultura popular (ou da famigerada cultura de raiz, UGH!), democratização da cultura (este então é um filão!). Trata-se, enfim de idéias revolucionárias que trarão, contudo, fama e fortuna para os realizadores e porventura trarão melhorias a vida de todos os envolvidos, saciando a “sede de cultura e arte que existe nessa cidade envolta às trevas que é Salvador” (acreditem, eu já ouvi isso! se não quiserem acreditar não acreditem, ué...)

Para aqueles que nunca experimentaram uma noitada em um reduto boêmio, recomendo em doses altas sem contra-indicações: é uma ótima terapia! No mínimo pode ser uma incursão etnográfica igualmente terapêutica...

Com o passar das horas, e a chegada do dia (seriam os artistas na verdade vampiros que vieram da Romênia pra Salvador?), estas idéias brilhantes voltam para o lugar de origem: as gavetas mentais. Ficam acumulando poeira por toda a vida. Algumas vezes elas são ressuscitadas, em outra mesa, em outro bar, talvez sim, talvez não ¬¬

Mas nem só de idéias que ficam em gavetas vive a noite baiana! Alguns artistas e/ou produtores conseguem converter estas idéias brilhantes em projetos de fino trato e extremo bom gosto, mas inevitavelmente, o destino destes projetos é uma gaveta, de outra natureza, já não é mais a mental, mas uma gaveta real, em um escritório ou em um quarto. Os motivos são inúmeros, mas o principal argumento é que não basta só uma boa idéia na cabeça, nem um bom projeto nas mãos, mas articulação política para obter financiamento.

Há ainda um terceiro tipo de criatura noturna, o nem sempre bem-vindo artista que tem uma idéia não tão brilhante, um projeto de gosto posto em xeque, e que realiza ações não tão fantásticas nem transformadoras. Ele não tem boas idéias, mas conhece os mecanismos de financiamento de projetos culturais (Leis de incentivo, editais, seleções públicas, prêmios) e patrocínio e é aquela pessoa que sabe fazer, obviamente é aquela pessoa que tem uma circulação em ambientes privilegiados ou muita, mas muita cara-de-pau. Em geral o argumento utilizado para criticar o trabalho deste último ser, o "homo espertus totalis", é a sempre duvidosa qualidade do trabalho. Seja lá o que for e quem qualifique o quê... afinal todos são críticos de arte, futebol e ciência política sem sequer ter estudado uma única linha a respeito e são exímios críticos.

No carnaval, por inzêmprio, fica claro (ou pelo menos para aqueles que trabalham na área ou têm alguma informação sobre as leis de incentivo) que alguns blocos foram financiados pela lei federal, o que é legalmente possível, mas eticamente questionável e inclusive coloca em xeque a função da lei e as prioridades (e olha que hoje essa lei é milhões de vezes mais acessível, mas que los hay los "homo espertus totalis"... ah, com certeza!). Os blocos vendem abadá e podem receber patrocínio direto, afinal o dinheiro público deve permancer público! Ou a inversão de valores pode? Os povo só quer saber dos cartões coorporativos... não tá bunito, não...

Na verdade o que eu costumo questionar vai um pouco além disso, porque querendo ou não, com ou sem interesse público, a cultura emprega bastante (e ainda está com uma capacidade subaproveitada), no entanto como é que se orientam os critérios de pagamento? Afinal, um show tem roadies, técnicos de som e luz, eletricistas, diretores de arte, de criação, produtores executivos e por fim os coordenadores. Qual o valor justo para pagar um profissional da cultura? Até que ponto o enriquecimento na área é perverso? Não penso apenas nos desvios de verba em projetos culturais, que todos nós sabemos que existe (como em qualquer outra área, je suis très désolé, muchachos). Me refiro ao serviço prestado, para quem é oferecido, se há necessidade, se há interesse (anterior ou posterior) público e, principalmente, se há competência por parte do realizador. Este pensamento leva a um diálogo (chato) entre as questões legais, morais e éticas (eterno...). Independente de uma prestação de contas errada (seeeei ¬¬) ou de um projeto cultural faraônico ou proporcionalmente faraônico, o que carece de um critério objetivo quanto ao pagamento dos envolvidos em acordo com o porte do projeto. E o que vemos é justamente uma disparidade imensa entre os eventos e projetos mega e os eventos mini, inclusive uma escala inversamente proporcional no pagamento de equipe. Como assim? Quanto maior o projeto menos se paga aos prestadores de serviços mais pesados (e muitas vezes fundamentais). Em projetos pequenos, como o orçamento deve ser otimizado, não dá pra um coordenador ganhar 10, 20 ou 50 vezes mais... enfim...

O absurdo relativismo e subjetivismo com o qual são lidados determinados projetos me ofendia muito, hoje eu relaxei e relativizo também... haha

Outro ponto que sempre escuto é as boas idéias não são venais e que mesmo não comprando sapato, não se pode andar sem poesia. Aí chegamos em um dilema tolo, ou melhor, um falso dilema... procuramos o vilão errado no lugar errado e evitamos qualquer possibilidade remota de um diálogo e partimos para a caça às bruxas... Bons produtores, qualidade artística versus bons negociantes. Situação cômoda da maior parte dos produtores (sejam eles do grupo dos excluídos ou não) ou aqueles os empregos de repartição pública (seja de natureza cultural ou não)... ficam nas repartições e pegam umas migalhas do governo em editais e seleções para fazer um filme para passar na sala de casa para os amigos ou enviar pelas listas de discussão a sua master piece...


Como se resolve o problema? Não sei, se eu soubesse já tinha resolvido e ficado rico com a solução. Hoje, com a coisa pública mais transparente e a prioridade para projetos culturais menores (que pagam mais em relação aos grandes), as coisas já estão melhores. No cenário local ainda encontramos aberrações (e vamos encontrar sempre...). O que acredito que pode contrbuir é a criação de um circuito organizado e sistematizado de produção e consumo de arte e cultura e a busca pela independência das leis de incentivo: cara e coroa

A mídia: o demônio encarnado; Os produtores: Van Hellsing ou Buffy?!

É curioso que neste processo de produção de arte e cultura, aém dos artistas e produtores, mais duas entidades desempenham um papel fundamental: os media e os públicos. "A mídia" opera sempre colocando os produtores como pessoas de índole duvidosa e que buscam vida fácil, seja em seus veículos de informação ou nos de entretenimento: haja vista o filme "The Producers" e, aqui no Brasil, a nossa querida novela "Celebridade". O produtor e "a mídia" travam batalhas homéricas, um sempre ataca o outro e sempre tenta proteger o (suposto) ser mais frágil: os públicos

O público: vilão ou vítima?

Sempre se recorre a ele; é a causa de tudo! Temido e amado, o público, ou melhor os públicos (seja na cultura, na política ou na comunicação) é o ser mais evocado e menos conhecido, salvo algumas raríssimas exceções. O público é sempre suposto, não se pode prever o público antes, não se pode saber com certeza se o livro x ou y será um sucesso de vendas, mas pode-se analisar o contexto no qual o livro é lançado, determinados quadros de recepção, valores, comunidades interpretativas etc. Contudo, o público-alvo nada mais é do que uma extensão do chamado leitor-modelo de uma obra ou do consumidor-modelo de um produto. Suposto, mas nunca previsto, classificado, mas nunca conhecido. Claro, as ferramentas de análise de públicos e mercados são bastante eficientes e apontam para alguns sintomas, sinais, mas não dão conta do público, uma vez que são movimentos pessoais dispersos enquadrados em uma unidade (i.e estão todos assistindo ao mesmo filme na mesma sala, com idades próximas e moram próximos). Daí no ponto de vista de alguns artistas e produtores chegamos ao ponto forte: é preciso educar o público para que ele tenha liberdade de escolha (que liberdade é essa eu não sei, mas tudo bem... eu sou meio burro!) e possa se livrar das menitras da mídia e das garras dos "homo espertus totalis" e possa consumir produtos culturais de qualidade. blé...


As (péssimas) escolhas do público

Claro que nem todo o público é vítima da "globo": alguns tem formação escolar completa, nível superior, mestrado, doutorado, pós-doc... moram em bairros centrais, possuem carro próprio e grana para consumir a vida cultural da cidade (eventos pagos e gratuitos), mas ainda esses fazem as mesmas escolhas (erradas) do público dito mais "frágil". Como isso se explica? Também não sei, se eu soubesse já tinha explicado e ficado rico! E aí voltamos para a...

A pedagogia da arte e cultura

A pedagogia da cultura me irrita muito! Primeiro porque os argumentos de determinados artistas diante da cultura de massa ou da cultura popular sempre saem do mesmo lugar e para ele retornam: o descaso com o público e o desrespeito com o público. Uma estratégia muito baixa para vilanizar os dois outros pilares do mercado cultural (público e os media) e assim isentar-se de efetivamente fazer um trabalho... ah, não vamos esquecer do governo que é sempre o culpado por todos os três... E lá vamos nós na ciranda da cultura... troca de farpas, vernissages, muitos abraços, beijos, bebidas e idéias, muitas idéias, muita cultura e muita elocubração!

Bom, acho que já falei demais por hoje... mas eu gosto deste assunto e não falei nada ainda... foram apenas pensamentos soltos que eu fui tentando colar...

No mais, prefiro deixar os pés no chão... as boas idéias, como já disse, são terapêuticas, sonhar é bom e não custa muito dinheiro!

Idéias não brotam nas árvores, nem se colhe banana plantando batata, já diz a sabedoria de Itaparica